Aos trancos e barrancos

By | 20/12/2020 5:00 am

Bolsonaro é Bolsonaro, mas o STF e as instituições sabem defender o Brasil. Até dele.

(Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo, 18 de dezembro de 2020 | 03h00)

 

A vacinação contra a covid-19 preserva vidas, é um direito e uma obrigação coletiva e “não permite demagogia, hipocrisia, ideologias, obscurantismo, disputas político eleitoreiras e, principalmente, não permite ignorância”. Essa enxurrada de bom senso, que serve como uma verdadeira aula para todos e cada um, foi dada ontem pelo ministro Alexandre de Moraes, em mais um julgamento memorável do Supremo nesses nossos tempos tão sombrios, às vezes macabros.

 

Na votação a favor da vacina obrigatória, por bem ou por mal, Moraes mandou um claro recado ao presidente, ao ministro da Saúde, a governadores, prefeitos e seguidores desses lunáticos de internet que são contra vacinas, especialmente contra a “vacina da China”. Isso começa “de cima”, quando o presidente Jair Bolsonaro, não satisfeito em guerrear contra isolamento social, máscaras e “maricas”, declara: “Não vou tomar a vacina. Ponto final”.

 

Quantos, por ideologia ou ignorância, não acataram o grito de guerra do presidente contra as vacinas? Quantos, por se acharem “de direita”, sendo simplesmente burros, não começaram a ver demônios e “interesses geopolíticos” na Coronavac, chamada de “vacina da China” ou “do Doria” por Bolsonaro? Assim como isolamento e máscaras eram as únicas saídas para escapar do vírus e reduzir a contaminação, as vacinas são o único instrumento científico capaz de salvar vidas, trazer de volta a normalidade, os negócios e os empregos. Bolsonaro atacou aqueles, tentou combater estes.

 

As instituições, porém, salvam o País e o Supremo, que erra no varejo, nas brigas comezinhas, acerta no atacado, na defesa da democracia e da racionalidade. Foi assim contra golpistas, extremistas e fake news e quando decidiu que governadores e prefeitos não estariam sujeitos às maluquices de Bolsonaro na pandemia. E é assim, agora, ao permitir que União, Estados e municípios garantam, direta ou indiretamente, a obrigatoriedade da vacina. E que os pais sejam obrigados a imunizar seus filhos.

 

A decisão do Supremo – com o voto contrário, ora, ora, de Kassio Nunes – é um tanto confusa: o que é vacina obrigatória, mas não forçada? A melhor explicação é que ninguém vai ser puxado pelos cabelos ou “sofrer condução coercitiva” para se vacinar, como disse o procurador-geral, Augusto Aras, mas aqueles que se recusarem a fazê-lo sabem que vão sofrer as consequências.

 

Na prática, o Supremo autoriza empresas públicas e privadas, escolas e supermercados, cinemas e companhias aéreas, por exemplo, a recusarem funcionários e clientes que não sejam vacinados. Se você não toma vacina contra a febre amarela, é proibido de viajar a vários países. Se não tomar contra a covid-19, poderá sofrer sanções diferentes formas. Logo, onde se lê que o Supremo determinou a “obrigatoriedade”, leia-se que criou “mecanismos indutores” para a vacinação.

 

E para que tudo isso? Para, mais uma vez, botar o pé na porta e impedir, ou prevenir, arroubos insanos do presidente e do seu governo contra os interesses e os direitos à vida e à saúde da Nação. Assim como não se ouve falar mais em manifestação e convocações golpistas pela internet, o presidente mudou o tom, o tal ministro da Saúde foi obrigado a agir.

 

Aos trancos e barrancos, o governo lançou um plano nacional de vacinação e uma medida provisória para liberar R$ 20 bilhões, encomendou vacinas, engoliu a do Butantã (de origem chinesa), reincluiu os presos entre os prioritários e até convocou o Zé Gotinha. Bem, nenhuma das vacinas é por gotinhas, mas deixa para lá… O importante é que Bolsonaro continua sendo Bolsonaro, irrita, cansa, ameaça, desperdiça tempo, mas é obrigado a recuar e se render à realidade. Apesar dos pesares, o Brasil sabe se defender. Inclusive dele.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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