Por um Milagre de Natal!

By | 27/12/2020 5:29 am

Com as incertezas nas eleições no Congresso, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.

(Editorial do Estadão) 

 

Sem partido e sem qualquer habilidade para construir uma base no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro chega à metade de seu mandato mais fraco do que nunca. Sua sobrevivência política agora depende exclusivamente dos humores do Centrão, punhado de partidos fisiológicos que prometem manter o presidente no cargo e ajudar a blindar sua família encrencada na Justiça até o momento em que isso lhes for conveniente.

 

O aspecto mais grave da fragilidade do presidente, num regime presidencialista, é que o governo não tem qualquer controle sobre a pauta legislativa, deixando a cargo do Congresso a tarefa de determinar as prioridades e ditar o ritmo da política.

 

Na terça-feira passada, dia 22, a Câmara dos Deputados deu mais um dos muitos exemplos dessa confusão. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, pautou a votação de uma emenda constitucional que aumenta o repasse da União para o Fundo de Participação dos Municípios, projeto que a equipe econômica considera inviável. No entanto, os parlamentares governistas silenciaram, deixando à equipe econômica a tarefa de advertir sobre os riscos fiscais embutidos na aprovação da medida.

 

Neste, como em outros casos, o desfecho não depende dos desejos da equipe econômica nem do outrora poderoso ministro Paulo Guedes, mas sim exclusivamente do jogo político do Congresso, às voltas com a sucessão de suas Mesas Diretoras, o que agrava o clima de incerteza.

 

A depender do resultado da eleição para as presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro, é possível que o Congresso, que já não é conhecido exatamente por sua parcimônia com o dinheiro público, abandone o caminho das reformas e acelere gastos, tendo em vista imperativos eleitorais. E o governo, com o chefe que tem, pouco pode fazer a respeito. Ao contrário, é provável que parte da previsível gastança seja estimulada pelo próprio Bolsonaro, interessado em auferir lucros demagógicos na sua campanha pela reeleição.

 

Assim, Bolsonaro começará a segunda metade de seu mandato exatamente como está terminando a primeira: como mero espectador da pugna parlamentar. Desinteressado de montar seu próprio partido, Bolsonaro age como se ainda fosse um deputado do baixo clero. A reboque do Centrão, o presidente renunciou àquela que talvez seja a principal tarefa de um presidente: liderar.

 

É claro que Bolsonaro não lidera pela simples razão de que não tem nenhuma competência ou inclinação para isso. Mas que ninguém se engane: o presidente é especialista em fazer-se onipresente na vida nacional. Raros são os dias em que Bolsonaro não manifesta alguma opinião grosseira ou irresponsável, chamando para si os holofotes da mídia e causando indignação.

 

Se é uma tática ou simplesmente da natureza do presidente, pouco importa: o fato é que, enquanto o País gasta suas energias discutindo as barbaridades presidenciais, o Centrão se organiza e amplia sua influência no governo, tornando-se seu verdadeiro esteio.

 

Para o País, é o pior dos mundos. Um governo ausente do debate político estimula o protagonismo do Congresso, que seria natural num regime parlamentarista, mas é exótico – e arriscado – no presidencialismo. Arriscado porque, sem um Executivo atuante e determinado, o Legislativo, por sua natureza multifacetada e por ser permeável a pressões de todo tipo, dificilmente alcança a convergência necessária para tomar as decisões graves que o País demanda. E o presidencialismo não tem os mecanismos naturais de correção de erros políticos que tem o parlamentarismo. O mais provável é que, deixado à sua própria sorte, o Congresso se consuma em lutas internas, postergando as reformas, atrasando a retomada do desenvolvimento e ampliando a crise fiscal.

 

Nos últimos dois anos, o desastre foi evitado porque a liderança do Congresso estava entregue a políticos habilidosos e responsáveis o bastante para arrancar um raro consenso em torno das reformas. Mas o comando da Câmara e do Senado vai mudar em breve, e nada garante que a próxima direção terá esse mesmo compromisso com o futuro do País. Por essa razão, mais do que nunca, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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