Com as incertezas nas eleições no Congresso, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.
Sem partido e sem qualquer habilidade para construir uma base no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro chega à metade de seu mandato mais fraco do que nunca. Sua sobrevivência política agora depende exclusivamente dos humores do Centrão, punhado de partidos fisiológicos que prometem manter o presidente no cargo e ajudar a blindar sua família encrencada na Justiça até o momento em que isso lhes for conveniente.
O aspecto mais grave da fragilidade do presidente, num regime presidencialista, é que o governo não tem qualquer controle sobre a pauta legislativa, deixando a cargo do Congresso a tarefa de determinar as prioridades e ditar o ritmo da política.
Na terça-feira passada, dia 22, a Câmara dos Deputados deu mais um dos muitos exemplos dessa confusão. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, pautou a votação de uma emenda constitucional que aumenta o repasse da União para o Fundo de Participação dos Municípios, projeto que a equipe econômica considera inviável. No entanto, os parlamentares governistas silenciaram, deixando à equipe econômica a tarefa de advertir sobre os riscos fiscais embutidos na aprovação da medida.
Neste, como em outros casos, o desfecho não depende dos desejos da equipe econômica nem do outrora poderoso ministro Paulo Guedes, mas sim exclusivamente do jogo político do Congresso, às voltas com a sucessão de suas Mesas Diretoras, o que agrava o clima de incerteza.
A depender do resultado da eleição para as presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro, é possível que o Congresso, que já não é conhecido exatamente por sua parcimônia com o dinheiro público, abandone o caminho das reformas e acelere gastos, tendo em vista imperativos eleitorais. E o governo, com o chefe que tem, pouco pode fazer a respeito. Ao contrário, é provável que parte da previsível gastança seja estimulada pelo próprio Bolsonaro, interessado em auferir lucros demagógicos na sua campanha pela reeleição.
Assim, Bolsonaro começará a segunda metade de seu mandato exatamente como está terminando a primeira: como mero espectador da pugna parlamentar. Desinteressado de montar seu próprio partido, Bolsonaro age como se ainda fosse um deputado do baixo clero. A reboque do Centrão, o presidente renunciou àquela que talvez seja a principal tarefa de um presidente: liderar.
É claro que Bolsonaro não lidera pela simples razão de que não tem nenhuma competência ou inclinação para isso. Mas que ninguém se engane: o presidente é especialista em fazer-se onipresente na vida nacional. Raros são os dias em que Bolsonaro não manifesta alguma opinião grosseira ou irresponsável, chamando para si os holofotes da mídia e causando indignação.
Se é uma tática ou simplesmente da natureza do presidente, pouco importa: o fato é que, enquanto o País gasta suas energias discutindo as barbaridades presidenciais, o Centrão se organiza e amplia sua influência no governo, tornando-se seu verdadeiro esteio.
Para o País, é o pior dos mundos. Um governo ausente do debate político estimula o protagonismo do Congresso, que seria natural num regime parlamentarista, mas é exótico – e arriscado – no presidencialismo. Arriscado porque, sem um Executivo atuante e determinado, o Legislativo, por sua natureza multifacetada e por ser permeável a pressões de todo tipo, dificilmente alcança a convergência necessária para tomar as decisões graves que o País demanda. E o presidencialismo não tem os mecanismos naturais de correção de erros políticos que tem o parlamentarismo. O mais provável é que, deixado à sua própria sorte, o Congresso se consuma em lutas internas, postergando as reformas, atrasando a retomada do desenvolvimento e ampliando a crise fiscal.
Nos últimos dois anos, o desastre foi evitado porque a liderança do Congresso estava entregue a políticos habilidosos e responsáveis o bastante para arrancar um raro consenso em torno das reformas. Mas o comando da Câmara e do Senado vai mudar em breve, e nada garante que a próxima direção terá esse mesmo compromisso com o futuro do País. Por essa razão, mais do que nunca, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.