A ciência entregou para a humanidade uma arma capaz de acabar com o coronavírus: dois imunizantes com eficácia de 95%.
(Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo, 26 de dezembro de 2020 | 05h00)
A humanidade passou o ano de 2020 acuada pelo SARS-COV-2. Em 12 meses, ele surgiu, se espalhou pelo planeta, destruiu a rotina da humanidade, e nos forçou ao isolamento social. Passamos o ano na defensiva. Apesar do caos gerado pelo vírus, a máquina que os seres humanos criaram nos últimos séculos para produzir conhecimento sobre a natureza, transformar esse conhecimento em tecnologias e transformar essas tecnologias em produtos úteis para nossa sobrevivência demonstrou sua força. A ciência rapidamente isolou o vírus, descobriu como infecta nossas células, criou testes de diagnóstico, descobriu como ele passa de uma pessoa para outra, mediu sua velocidade de espalhamento e recomendou as maneiras como ele pode ser contido. Além disso, aperfeiçoou os tratamentos, desenvolveu drogas e procedimentos para tratar os casos mais graves e, ao final de exatos 11 meses, entregou para a humanidade uma arma capaz de acabar com o vírus: duas vacinas com eficácia de 95%.
O ano de 2021 será o ano em que a humanidade terá uma chance de passar da defesa para o ataque. Será um ano em que observaremos uma competição entre o vírus e a vacina para ver quem chega antes às pessoas que ainda não foram infectadas. Essa corrida começa com 15% a 25% da humanidade já imunizada por ter sido infectada, e vai terminar quando entre 70% e 90% da população estiver imune.
O vírus por enquanto está liderando, infectando aproximadamente 2 a 3 milhões de pessoas todos os dias (casos detectados são aproximadamente 800 mil por dia), matando entre 0,3% e 1% dos infectados. Nessa corrida, o vírus vai contar com as novas cepas capazes de se espalhar mais rapidamente. A vacina, que entrou na corrida faz duas semanas, já imunizou 2 milhões de pessoas e ainda imuniza, por dia, um número muito menor de pessoas do que as que são infectadas pelo vírus. O objetivo dos vacinadores é imunizar pelo menos dez vezes mais pessoas por dia do que as que são infectadas pelo vírus. E para isso podemos contar com três estratégias: diminuir o número de infectados por dia com medidas de distanciamento social, aumentar o número de pessoas vacinadas a cada dia, e usar vacinas com o máximo de eficácia possível.
O que isso significa para o Brasil? Nossa população é de 210 milhões de pessoas. Imagine que 15% já tenham sido infectados: 32 milhões de pessoas. Faltam imunizar 178 milhões. Atualmente o número oficial de novos casos por dia é de 60 mil, mas esse é o número de testes positivos, sabemos que o número real está entre 300 mil e 600 mil casos por dia. Se o vírus seguir num ritmo de 500 mil casos por dia, em um ano poderá infectar 182 milhões de pessoas e ganha a guerra facilmente. Agora imagine que no dia 1.º de janeiro pudéssemos, com um estalo de dedos, vacinar toda a população brasileira com uma vacina de eficácia igual a 95% ou outra com uma eficácia de 50%. No início de fevereiro, usando a vacina de 95% de eficácia, teríamos 169 milhões dos 178 imunizados e venceríamos a guerra (lembre que 15% dos vacinados já são imunes pois tiveram a doença). Mas se a eficácia da vacina for 50% teríamos somente 89 milhões de pessoas imunizadas, enquanto outros 89 milhões seriam presas fáceis do vírus ao longo do ano.
Mas não é isso que vai acontecer, a vacinação vai ocorrer ao longo de um ano. Imagine então que o objetivo seja vacinar toda a população ao longo de 2021. Para isso precisaríamos vacinar 575 mil pessoas todos os dias durante os 365 dias. Nesse ritmo, se o vírus continuar a infectar 500 mil pessoas por dia, e usarmos uma vacina de 95% de eficácia, o número de infectados pelo vírus será semelhante ao número de vacinados. E se a eficácia for de 50% o vírus vai infectar duas vezes mais pessoas todos os dias do que os imunizados.
É claro que todas essas contas são aproximações muito grosseiras que estou usando para explicar o tamanho do desafio que teremos em 2021. Existe um número grande de epidemiologistas capazes de fazer essas estimativas com mais precisão e espero que elas apareçam nos próximos dias. Aliás, essas contas deveriam servir de base para organizar o plano nacional de vacinação.
Em conclusão, para termos uma chance real de vencer o vírus em 2021 precisamos vacinar mais de 500 mil pessoas por dia, todos os dias, ao longo do ano, precisamos diminuir em 5 a 10 vezes o número de novos casos de infecção a cada dia, e precisamos usar vacinas com a maior eficácia possível. E para que tudo isso ocorra precisamos de um presidente e um ministro da Saúde com vontade e capazes de executar essa missão. Confesso que não estou otimista e continuo a acreditar que a estratégia do Brasil é a IRPI (imunidade de rebanho por incompetência). Espero estar errado.
Opinião do programa – Infelizmente temos um presidente sem nenhum compromisso com o combate à pandemia, fazendo questão de dar mau exemplo à população ao não seguir as recomendações das autoridades sanitárias. Em consequência a sua equipe segue”caninamente” o exemplo do chefe, ao não tomar as providências necessárias e oportunas para a única oportunidade de frear a mortandade provocada pela pandemia, a vacinação em massa, como se está fazendo no mundo todo.