Como sequela da covid, Brasil pode ficar indiferente à vida como Bolsonaro

By | 10/01/2021 6:41 am

Leonardo Sakamoto, no UOL

 

Os Estados Unidos do irresponsável Donald Trump, a Rússia do autoritário Vladimir Putin, o Reino Unido do falastrão Boris Johnson, a Hungria do ultranacionalista Viktor Orbán, a Arábia Saudita do absolutista Salman Al Saud, a Israel do fundamentalista Benjamin Netanyahu, a Polônia do ultraconservador Andrzej Duda já começaram a vacinar sua população contra a covid-19. O Brasil de Jair Messias, que compartilha com eles visões de mundo, ainda não.

 

O que reforça que a demora do Brasil não é uma questão ideológica. É um projeto torto de um governo tecnicamente incompetente que submeteu a questão da saúde pública à batalha pela reeleição do presidente. À medida que a pandemia avançou, líderes que desprezavam a doença mudaram de estratégia ao perceberem que o negacionismo de longo prazo poderia levar a um prejuízo, não apenas político pelo grande número de mortos, mas também pelo impacto negativo de uma economia deprimida.

 

Em alguns locais, a corrida pelo desenvolvimento de uma vacina própria se tornou, inclusive, estratégia de marketing geopolítico, como na Rússia. Em outros, diante da realidade que internou até primeiro-ministro, houve guinada de posições, como no Reino Unido.

 

Como sua natureza beligerante o torna incapaz de articular a federação em prol de um objetivo comum, Bolsonaro não preparou o país para a mais importante guerra de sua história. Abraçou o inimigo, defendendo que a melhor forma de para-lo é deixando que ganhe, infectando rapidamente a população para criar imunidade. Sim, Bolsonaro vem apostando na estratégia da “seleção natural”, com os mais fortes sobrevivendo – o que, de certa forma, é coerente com quem sempre foi.

 

Os nossos quase 200 mil mortos em decorrência desse projeto? “Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, como disse o presidente em 28 de abril. “Eu lamento todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”, afirmou em 2 de junho. “Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas”, sentenciou em 10 de novembro. “Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. Essa é a vida”, ladrou em 27 de março.

 

E, nadando contra a corrente, juntou-se a um pequeno grupo de governantes que recomendam vodka para tratar da moléstia. Com a diferença que, por aqui, nem álcool precisa, apenas a força do pensamento. “Quem é feliz não pega covid”, afirmaram assessores do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, em registro de Malu Gaspar, da revista Piauí.

 

Em regiões do Brasil, a primeira onda se conectou à segunda, sem tempo de respiro, em muito por conta da irresponsabilidade do presidente da República. Se ele não tivesse jogado contra as quarentenas, elas teriam sido ainda mais efetivas e poderíamos ter retomado a vida quase normal ao menos por um período de tempo.

 

Porém, ao defender sua estratégia de infecção como solução (ele já disse que a imunidade decorrente do contágio era melhor que a das vacinas), Bolsonaro ajudou a detonar empregos e a economia.

 

Com o fim do auxílio emergencial, milhões de brasileiros estão saindo às ruas para procurar serviço. E, por mais que o país esteja registrando a recuperação de vagas formais, há 14,1 milhões que procuram serviço, mas não encontram, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua. Número que vai continuar a crescer, até porque a melhor estratégia que o governo tem para reduzir esse exército é flexibilizar ainda mais as proteções trabalhistas.

 

Bolsonaro conta com essa montanha de desempregados para pressionar o país, que está cansado de isolamento e distanciamento, a voltar à normalidade. Quer que a população proteste contra todo e qualquer político que coloque entraves a isso em nome da saúde coletiva.

 

As imagens dele, neste final de ano, servindo de exemplo para que pessoas se aglomerem vão nesse sentido. Vida normal, quem reclamar é frouxo ou mala. Faz um cálculo macabro, de que 200 mil mortos não são nada comparado a 14 milhões de desempregados ou 210 milhões de habitantes.

 

Aposta que muita gente vai se insubordinar, adotando seu discurso de que o combate à covid traz o caos porque impede as pessoas de trabalharem. Faz de conta que não sabe que não é a quarentena que atrapalha a economia, mas a doença por afastar trabalhadores infectados. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a irresponsabilidade de frigoríficos, que mantiveram trabalhadores se contaminando em linhas de processamento de carne, foi uma das principais responsáveis por espalhar a covid pelo estado.

 

E diante da incompetência de seu governo para a aquisição de vacinas, busca convencer parte da população que não precisamos de imunização, mentindo que elas não funcionam ou que colocam em risco a vida das pessoas. A solução, para ele, é ir para a rua pegar covid e quem morrer morreu, terceirizando os impactos pela crise a quem tentou salvar vidas.

 

O “Brasil Protegido pelo Home Office” precisa se lembrar de que a maioria dos trabalhadores está, neste momento, ao relento e precisa de mais ajuda do Estado para sobreviver. O “Brasil Acima de Todos”, que faz parte do 1% mais rico, precisa aceitar em ser taxado para financiar a subsistência de quem nada tem. “O Brasil do Zoom” precisa entender que uma massa de estudantes pobres, sem acesso a recursos, está ficando ainda mais para trás com o alongamento da pandemia. E o “Brasil Jovem das Grandes Baladas” precisa se lembrar, mesmo cansados de tudo, que a repercussão dos seus atos atinge empregadas domésticas, cozinheiras, garis, seguranças que não se divertiram nas festas com eles, mas morrerão como consequência delas.

 

Um processo de vacinação rápido ajudaria a equacionar isso, mas ele não virá, não em escala nacional.

 

O risco desse projeto de Bolsonaro que vem se mostrando resiliente é que o Brasil saia dessa crise mais à sua imagem e semelhança. Um país insensível à dignidade humana, com cada um lutando, como ele, por sua própria alegria e sobrevivência. E que se dane o resto.

 

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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