(Fernando Rodrigues)
A Ford acaba de anunciar que vai deixar o Brasil. Fechará suas 3 fábricas (em São Paulo, Bahia e Ceará). Ao ler a notícia lembrei-me de uma de muitas conversas francas que tive com o então senador Antonio Carlos Magalhães (1927-2007), que fez carreira na Arena e no PFL (hoje DEM).
Corria o ano de 1999. Argumentei com o político baiano: “Senador, será que vale a pena lutar tanto pela construção da nova fábrica da Ford na Bahia? Será que vale insistir com uma indústria que hoje é obsoleta, suja, não oferece mais tantos empregos? Não seria melhor a Bahia receber os incentivos para uma de suas grandes vocações, que é o turismo?”.
ACM reagiu com fúria: “Vocês jornalistas do Sul e do Sudeste têm muito preconceito com a Bahia. Discriminam o Nordeste. Todas as montadoras se instalaram recentemente no Sul e tiveram benefícios fiscais. Foi assim no Paraná, no Rio Grande do Sul. Só o pobre do Nordeste que tem de continuar a fazer rapadura. Vocês querem que a Bahia fique fazendo rapadura! Mas nós vamos produzir carros!”.
Assim foi.
Os subsídios foram concedidos. Empréstimos camaradas do BNDES na redondeza de R$ 700 milhões para que a Ford se instalasse na Bahia. A montadora também se beneficiou do regime automotivo especial que havia sido criado em 1997 para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
A fábrica da Ford foi construída em Camaçari, como queria ACM, um político que tinha muitas qualidades e muitos defeitos. Mas amava verdadeiramente o seu Estado.
ACM tinha temperamento mercurial. Ficava revoltado quando alguém ousava falar contra o seu Estado natal. Deve ter morrido feliz com sua vitória sobre equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso, o então presidente. Os tucanos em 1999 eram contra a ida da Ford para a Bahia (preferiam o Rio Grande do Sul).
Agora, passados tantos anos, fica cristalino que o senador ACM errou em 1999 –de maneira inadvertida, pois estava convicto que a melhor estratégia era levar a indústria automobilística para a Bahia.
A saída da Ford (com meros 7% do mercado brasileiro) e o fracasso retumbante da indústria no Brasil (não inova quase nada) mostram como esse ramo da economia se esbaldou por aqui. Enganou governos e políticos o quanto pôde –no Brasil e em outros países.
A montagem de carros (sobretudo a combustão) é algo que agrega pouquíssimo à cadeia produtiva neste século 21. As autopeças podem ser todas importadas da China e não são mais produzidas por pequenos fornecedores na região da fábrica de automóveis.
Ainda assim, sempre prevaleceu em todos os governos recentes o lobby bem articulado das fábricas de automóveis. Conseguiram sempre retardar a modernização do que oferecem no Brasil. Reclamam o tempo todo dos impostos, mas devolvem pouco ou nada depois de décadas de subsídios recebidos dos impostos dos brasileiros.
Em 1989, Fernando Collor usou em sua campanha uma crítica verdadeira contra a indústria automotiva brasileira. Dizia que os carros por aqui eram “carroças”.
Agora, tem sido comum ler notícias sobre Europa e outras regiões do mundo estarem incentivando carros com emissão zero de poluentes. Aqui, o processo é lentíssimo. Ninguém consegue dizer quando as fábricas de automóveis no Brasil vão oferecer carros elétricos em grande escala.
Obviamente que é triste quando uma empresa icônica como a Ford deixa o país. Cerca de 5.000 trabalhadores serão afetados. É uma tragédia para muitas famílias.
Mas pensando no que a Ford deixou de benefícios no Brasil depois de 1 século por aqui, com seus carros obsoletos e poluentes, talvez seja até um alívio. Vá em frente, Ford. Vá agora pedir dinheiro do governo argentino para continuar a produzir carroças para o mercado sul-americano.