Enquanto isso…
Recobrando a liberdade de ir e vir, o ex-presidente Lula reanima velhos contatos
(Rosângela Bittar, Colunista do ‘Estadão’ e Analista de Assuntos Políticos)
Discretamente, como convém a quem ainda não ganhou certificado de inocência nem a plena reabilitação política, o ex-presidente Lula vai escrevendo, na prática, seu roteiro de candidato. A manifestação da volta, pensada por ele mesmo, um retrato fiel do velho Lula de sempre, contém indicação ampla sobre o que se deve observar nos passos seguintes. Tanto no que revelou como no que escondeu.
A pandemia foi a preliminar de efeito político imediato. A simples menção às ações necessárias já resultou na troca do ministro da Saúde. Satisfez o eleitorado só pelo contraste entre suas palavras de mero bom senso e a realidade política atual, forjada na irracionalidade.
Recobrando a liberdade de ir e vir, mesmo que em modo virtual, Lula reanima velhos contatos. Chama a atenção de empresários e convoca políticos amigos, como os caciques do MDB. Partido disseminado por todos os Estados, o MDB é uma federação de lideranças neutras ideologicamente, que agrega civis e militares, empresários e sindicatos, capital e interior, uma salada de referências na sociedade.
Ainda neste campo sua agenda registra o Centrão. O bloco dá sustentação fiel ao presidente Jair Bolsonaro. Mas governo e eleição são duas coisas diferentes, o Centrão está aí, para o que der e vier.
O que ainda não estava implícito nem explícito, mas não surpreende, são os movimentos e conversas de Lula no terreno delicado de suas relações com os militares.
A atualização do episódio, já desgastado, da pressão do general Villas Bôas sobre o STF, em 2018, simplifica os efeitos do constrangimento da época. Agora, Lula está tão aberto às conversas com militares que seus partidários consideram natural uma aproximação objetiva, de alto nível.
Citam o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-secretário de Governo nos primeiros meses da administração Jair Bolsonaro, como um dos nomes para compor a chapa, como vice-presidente. União que permitiria ampla composição, como se deu com o falecido industrial José Alencar nos mandatos presidenciais de Lula.
O interesse por Santos Cruz revela dois aspectos das preocupações do candidato Lula. Primeiro, o resgate das boas relações com as Forças Armadas. Segundo, a expectativa de colaboração efetiva do general, expurgado do atual governo por um dos filhos do presidente. Saiu como vítima de fake news, uma prática depois banalizada, e deixou a impressão de ser o mais preparado dos colaboradores militares do governo.
Estes movimentos visam também modular a tentativa de politizar o Exército por parte do candidato à reeleição, seu adversário. O presidente Jair Bolsonaro, embora de origem militar, desviou-se do padrão de atuação e comportamento das Forças Armadas. A ambiguidade com que se refere ao “meu Exército” sugere mais seu lado miliciano do que propriamente militar.
Lado este, por sinal, que está em crescimento e ebulição. Certamente não foram as Forças Armadas que atuaram nos violentos episódios de intimidação moral e ameaça física à cardiologista Ludhmila Hajjar, convidada para integrar o governo. Convite recusado depois de dois dias de terror sob o comando do gabinete do ódio.
A investida evidenciou como está avançada a ocupação do território por esta milícia extremista, violenta, agressiva e ilegal do bolsonarismo. Prática de um terrorismo contemporizado pelo presidente, que consolou a vítima com um covarde “faz parte”.
Expansão esta que chegou com força ao Congresso. Os presidentes da Câmara e do Senado pagam caro a fatura da sua eleição: o deputado Arthur Lira entregou joias da coroa parlamentar a deputadas da barricada bolsonarista; o senador Rodrigo Pacheco engavetou CPI proposta, dentro das regras, por senadores que pretendem apurar a letal gestão da pandemia pelo presidente da República.
Nossa opinião – Apesar de a decisão do Ministro Fachim ainda não está consolidada liberando-o para sair candidato em 2022, o ex-presidente Lula não está inerte. Nos bastidores ele faz costuras políticas visando as próximas eleições. Como se diz aquele ditado que soa grosseiro em tempos de pandemia “ele se faz do morto para surpreender o coveiro”. Que não se veja aí nenhuma alusão a quem mais provocou mortes nos últimos doze meses. “na moite”, Lula tenta atrair partidos e montar uma chapa que desarme resistências de determinados setores sensíveis como o lideranças empresariais e militares, hoje preocupadas com a situação delicada a que o atual governo chegou.