A crise tem nome e sobrenome

By | 21/03/2021 8:07 am

Pressionado pela queda de sua popularidade, Bolsonaro tenta transferir a responsabilidade pela crise para os governadores

(Editorial do jornal O Estado de S. Paulo)

O presidente Jair Bolsonaro convidou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, para integrar um comitê dos Três Poderes para discutir a pandemia de covid-19. Além de muito atrasado, o gesto serve somente para dar um verniz de estadista a um presidente que tudo tem feito para atrapalhar o combate ao coronavírus.

Fux submeteu o convite ao plenário do Supremo, e todos os seus 10 colegas escolheram rejeitá-lo, pois o tribunal deverá ser chamado a julgar a legalidade de medidas adotadas pelo governo. Mas há outros bons motivos para que o Supremo mantenha distância prudente de Bolsonaro, cuja única competência é criar tumulto.

Nos últimos dias, Bolsonaro voltou a contestar a eficácia de vacinas, a fazer campanha contra o uso de máscaras, a desdenhar de doentes e a colocar em dúvida o número de mortos e de ocupação de UTIs. Anunciou a troca de ministro da Saúde para sinalizar mudança de rumo, mas não só o incompetente Eduardo Pazuello continua a despachar como ministro, como o futuro ministro, Marcelo Queiroga, amigo da família Bolsonaro, promete manter tudo como está.

O Bolsonaro que acena com uma concertação institucional contra a pandemia é o mesmo que entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo para questionar as medidas restritivas adotadas por governadores do Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal, notadamente o toque de recolher e o fechamento de atividades não essenciais.

Em abril do ano passado, o Supremo reconheceu a competência concorrente dos entes da Federação para tomar medidas contra a pandemia, entre as quais restrições de circulação. Ou seja, se decidir a favor de Bolsonaro, o Supremo estará, na prática, dizendo que suas decisões anteriores, tomadas em estrito respeito à Constituição, eram inconstitucionais – o que seria uma óbvia aberração.

O novo ataque de Bolsonaro ao princípio federativo terá outra frente: o presidente anunciou que encaminhará projeto de lei para definir o que é “atividade essencial”, que pode funcionar em meio à pandemia. Segundo Bolsonaro, “atividade essencial é toda aquela necessária para você levar um pão para dentro de casa” – ou seja, em suas próprias palavras, “basicamente tudo passa a ser atividade essencial”.

No início da pandemia, Bolsonaro tentou concentrar na União as decisões sobre quais seriam as atividades essenciais e o alcance de medidas restritivas. A intenção, óbvia, era impedir o fechamento da economia. O Supremo vetou, sob o argumento de que Estados e municípios tinham autonomia para tomar as atitudes que julgassem necessárias.

Desde então, Bolsonaro tem dito que o Supremo o impediu de atuar no combate à pandemia, o que a Corte já desmentiu inúmeras vezes. Naquilo que lhe cabe, o presidente é um retumbante fracasso: tardou a comprar vacinas, tardou mais ainda a liberar o urgente auxílio emergencial e pouco faz para abastecer hospitais de insumos necessários para o atendimento de doentes de covid-19.

Pressionado pela queda acentuada de sua popularidade, Bolsonaro tenta desesperadamente transferir a responsabilidade pela crise para os governadores – a quem acusou de estarem “matando” a população de fome. “Querem derrubar o governo”, acusou Bolsonaro.

Empenha-se assim em criar um clima de enfrentamento, equiparando toque de recolher a estado de sítio, “que só uma pessoa pode decretar: eu”. Bolsonaro tem feito referência frequente, nos últimos dias, a medidas de exceção e a seu poder de determiná-las. O presidente tornou a se referir ao Exército como se fosse sua milícia privada, ao dizer que “o meu Exército não vai para rua para cumprir decreto de governadores” se “o povo começar a sair, entrar na desobediência civil”.

Parece claro o flerte com a ruptura institucional, para deleite de seus camisas pardas, a quem o presidente chama de “povo”. E, disse Bolsonaro, “o que o povo quer a gente faz”.

Com o sistema de saúde em colapso, péssimas perspectivas econômicas e cansado de tanta confusão, o povo quer apenas que Bolsonaro pare de prejudicar o País. A esta altura, será um grande favor.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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