Avaliação é que falta de coordenação do governo federal no combate à pandemia pode inviabilizar reeleição em 2022
(Renato Machado e Danielle Brant, na Folha)
Em uma semana que prometia ser de alívio para o governo no Congresso, com a troca de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro viu a pressão na base escalar pela crise sanitária de Covid-19, pelo atraso na apresentação do auxílio emergencial e sob rescaldo de um “efeito Lula”.
Nas principais bancadas no Congresso, mesmo de partidos do centrão, a avaliação é de que a falta de uma coordenação do governo federal no combate à pandemia pode inclusive custar a reeleição de Bolsonaro em 2022, mais do que a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao xadrez político.
Na sequência de notícias ruins para Bolsonaro, o presidente viu a rejeição de sua atuação frente à pandemia atingir índices recordes. De acordo com pesquisa Datafolha, 54% da população consideravam a liderança do governo na pandemia ruim ou péssima.
A pesquisa foi realizada no auge da turbulência provocada pelas mudanças na Saúde. Na segunda-feira (15), o presidente anunciou o médico Marcelo Queiroga como novo ministro, em substituição a Pazuello.
A troca dava fôlego ao governo, que se vê ameaçado no Congresso pela possibilidade de instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a atuação do Executivo no enfrentamento da pandemia.
A escolha atropelada do substituto de Pazuello irritou o centrão, que não conseguiu emplacar seu nome preferido ao cargo e foi escanteado na decisão. Sinais de que o sucessor do general não contaria com a mesma benevolência da base chegaram a Bolsonaro.
Os primeiros dias do novo ministro ainda foram marcados pelo recorde de mortes registradas em um único dia, desde o início da pandemia: 2.798.
“Toda vez que há uma ausência de liderança, instituições querem tomar a frente, e o Senado mais ainda pela representatividade que tem. Então há um clima no Senado que alguma coisa a mais tem que ser feita. Isso é um fato”, afirmou o líder do PL no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), em relação ao momento atual do Congresso.
O senador lembra que ele próprio votou em Bolsonaro e que seu partido atua pela governabilidade do presidente, mesmo sem contar com cargos. Por outro lado, reconhece que houve um mal-estar com a não aceitação para o Ministério da Saúde de um nome indicado pelos parlamentares.
“A intenção de participar de um governo que a gente é base é latente, principalmente quando vemos nomes que são colocados que não são aqueles talvez os mais indicados para o cargo. Isso já ocorreu, é o quarto ministro da Saúde, o que significa que os outros três não foram os melhores. E estamos no meio de uma pandemia, não é hora de brincar com isso”, afirmou.
“Acreditamos que tem quadros muito qualificados dentro do partido. Quando vemos, muitas vezes, nessas indicações nomes que entendemos que a gente poderia ter suprido com quadro melhor, o partido se posiciona. E acho que não é só o PL. Todos aqueles partidos que têm quadros para oferecer, pela competência, pela qualidade, é natural isso acontecer. Por exemplo, com o PP, que sugeriu o deputado Luizinho, que é uma pessoa da área de saúde, além de político”, disse.
A condução cada vez mais falha no enfrentamento à pandemia também teve um episódio próximo ao Congresso, com a morte do senador Major Olimpio (PSL-SP), que causou comoção no Congresso.
A morte do senador foi considerada representativa do momento atual, levando os senadores a aumentarem a pressão pela instalação da CPI da Covid, que o governo achou que seria enterrada com a troca de ministros.
A pressão é toda em cima do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que já tem em mãos um requerimento com o número de assinaturas. Portanto, cabe unicamente a ele deliberar a respeito da instalação da comissão.
Em uma tentativa de diminuir a temperatura, Pacheco apresentou uma proposta de reunião e possível comitê de enfrentamento à Covid, coordenado por Bolsonaro, mas com a participação de Legislativo, Judiciário, governadores e prefeitos. O presidente da República até assumiu a liderança, ligando para convidar autoridades.
No dia seguinte, no entanto, entrou com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra governadores que promovem medidas restritivas.
“Essa é a última chance do governo. Precisou o presidente do Senado, que está acossado com uma CPI, ir lá e dizer ‘presidente, você tem uma última chance aqui. Senta na mesa com o povo todo, chama os governadores, pelo menos faz de conta que vai compor alguma coisa’”, afirmou o líder da minoria, senador Jean Paul Prates (PT-RN).
Senadores da oposição e mesmo alinhados com o governo não dão indicativos de que vão diminuir a pressão pela CPI, por causa da tentativa de elaboração de um pacto nacional. Se a tentativa de arrumação fracassar, por culpa de Bolsonaro, afirmam que será inevitável abrir a investigação ou mesmo trabalhar por seu impedimento.
Sem sinais concretos de que Bolsonaro vá reverter sua política de saúde, políticos apontam a pandemia como o grande obstáculo do presidente em sua busca pela reeleição.
“O agravamento da pandemia e suas consequências na vida das pessoas estão derretendo a aprovação do governo Bolsonaro”, avalia Danilo Cabral (PE), líder do PSB na Câmara dos Deputados.
“Cada vez mais a população identifica o presidente, com suas ações e omissões inconsequentes diante das crises sanitária, econômica e social, como o grande responsável pela tragédia humana que vivemos.”
A deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC) tem leitura semelhante. Para ela, Bolsonaro tenta “culpar os outros pela incompetência dele.”
“Já podíamos ter vacinado muitos brasileiros, se não fosse a negativa dele. E isso vai custar caro pra reeleição dele”, afirmou. “Ele, desde que se elegeu, pensa em reeleição. E vai ser exatamente por só pensar em reeleição, que terá dificuldades de alcançá-la.”
Além do efeito nocivo perante a sociedade civil, congressistas destacam o potencial da rejeição popular sobre a base no Congresso. Caso o descontentamento se agrave, alguns atuais aliados podem desembarcar do apoio ao governo.
Sinais disso já foram percebidos nesta semana, com a cobrança do envio das medidas provisórias que abriam o crédito e apontavam os critérios para recebimento do novo auxílio emergencial. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, que destrava o benefício, foi promulgada na segunda (15), mas o governo só encaminhou as MPs na quinta, gerando críticas.
O auxílio, que no ano passado ajudou a turbinar a popularidade do presidente, pode se tornar um fator de desgaste para Bolsonaro. O valor da atual rodada é bem menor que o da anterior —mães chefes de família, por exemplo, recebiam R$ 1.200 no ano passado, benefício que cai para R$ 375 agora.
O auxílio também será concedido a um número menor de beneficiários —mais de 20 milhões deixarão de receber. A injeção na economia será menor que a registrada em 2020, e, quanto mais a recuperação demora a aparecer, maior a diluição da força de Bolsonaro para as próximas eleições, avaliam congressistas.
Para 2022, congressistas vislumbram uma “tempestade perfeita” contra o presidente: ele terá que enfrentar uma sombra política, o ex-presidente Lula, uma pandemia que tem dificuldade de administrar e os efeitos econômicos e sociais dessa gestão falha.
De volta ao jogo político após decisão do STF, Lula já mantém contato com antigos aliados, muitos deles em bancadas governistas ou então que pelo menos se alinham em votações com o governo.
Líderes apontam que o efeito Lula tem dois reflexos nas bancadas de centro: pode provocar defecções ou pelo menos aumentar o poder de barganha de muitas bancadas no diálogo e negociações com o governo.