Além da guerra diária, hospitais privados e universitários trabalham no longo prazo
(Media Lab Estadão, O Estado de S.Paulo)
A explosão dos casos de covid-19 está pressionando de forma inédita os hospitais. Desde o ano passado, entretanto, os principais centros de medicina do País perceberam rapidamente que não se tratava apenas de uma crise de saúde. Era algo muito maior. Os desafios são também sanitários, econômicos e humanitários. Diante disso, integrar conhecimentos e soluções de diferentes áreas é o que tem funcionado no InCor, ligado à USP, no Hospital São Paulo, atrelado à Unifesp, e no Hospital Sírio-Libanês.
Nos hospitais voltados para o conhecimento universitário, como o da USP e o da Unifesp, a proposta é compreender as manifestações da doença e sequelas, aprimorar o tratamento e encontrar tecnologias que se traduzam em ganho para a sociedade no longo prazo – para além da covid-19.
A Unifesp está atenta aos sintomas e sequelas neurológicas da doença, e tem um projeto de pesquisa liderado pelas áreas de psiquiatria e neurociência para checar a relação entre pacientes recuperados de covid e perda de memória parcial, distração e depressão.
O vírus tem caráter inflamatório e uma hipótese, segundo Soraya Samali, reitora da Unifesp, é a de que ele provoca uma inflamação nos neurônios. “Se sabemos cientificamente qual é o processo inflamatório que está provocando o sintoma, conseguimos tratar a inflamação de modo que não tenhamos sequela”, resume a reitora.
No InCor, parte do Hospital das Clínicas e campo de ensino e de pesquisa para a Faculdade de Medicina da USP, é feita uma coleta de dados de pacientes que receberam alta hospitalar há três, seis e 12 meses. Também há necropsia dos pacientes internados que vieram a óbito, e foi essa frente de estudos que permitiu o entendimento da presença de microtrombos em alguns casos. Isso foi decisivo para atualizar a conduta clínica em pacientes internados em todo o País.
Dados clínicos coletados na pandemia permitiram o aprimoramento de um aparelho de impedância elétrica, fruto da parceria entre InCor e Poli-USP, e desenvolvido há mais de 10 anos. O equipamento, usado internacionalmente, registra informações sobre a qualidade de oxigenação do sangue. “Isso ajuda a saber a hora de entubar e o momento de sair do tubo”, registra Carlos Carvalho, diretor da Divisão de Pneumologia do InCor.
Ainda, o avanço no conhecimento sobre a mecânica nas trocas gasosas adquirido na pandemia ativou parcerias do InCor com empresas que produzem camas hospitalares. A proposta é melhorar o potencial de inclinação dos leitos para ajudar paciente e equipe médica tanto em quadros de covid-19 quanto fora deles.
Como as manifestações cardiológicas estão entre as mais importantes da doença, o InCor lidera o estudo CoronaHeart, com mais de dois mil pacientes, para averiguar complicações cardíacas e os efeitos pós-covid em pessoas que precisaram de internação. Por ora, os dados ainda estão em análise, afirma Roberto Kalil Filho, presidente do Conselho Diretor do InCor e coordenador da pesquisa.
Evoluções no tratamento
No Hospital Sírio-Libanês, um dos principais hospitais de ponta do País, a pandemia endossou a importância da cooperação entre as áreas além da saúde. Até porque, antes da condução dos casos de covid-19, foi preciso preparar o terreno. O apoio da engenharia clínica e de obra foi crucial para disponibilizar leitos e separar as áreas para pacientes de covid-19 das demais, lembra Fernando Ganem, diretor de Governança Clínica do Sírio-Libanês.
Do ponto de vista técnico, houve mudanças nas diretrizes ao longo desse um ano de pandemia. “No começo, pacientes eram entubados mais precocemente e hoje adotamos a ventilação não invasiva [que dispensa o tubo] em alguns casos”, menciona Ganem. Outra mudança é o uso mais frequente da oxigenação extracorpórea (ECMO) para oxigenar o sangue nos casos em que a insuficiência respiratória é bem grave.
A conduta também foi atualizada no Hospital Israelita Albert Einstein, que agora faz fisioterapia mesmo nos pacientes em enfermaria. “Fazemos fisioterapia precoce, para abrir os pulmões do paciente e evitar uma evolução para o tubo”, explica Moacyr Júnior, da UTI Adulto do hospital.
Telemedicina ajuda no combate ao câncer
Ainda era março de 2020 quando o Brasil pensou que a pandemia da covid-19 se resolveria após uma quarentena de um ou dois meses. Clínicas e laboratórios reduziram consultas, hospitais adiaram procedimentos não urgentes e o ‘Fica em Casa’, de certo modo, significou a postergação dos exames de rotina.
Mas quem tem câncer tem pressa, lembrou uma campanha do A. C. Camargo, centro exclusivo para tratamento da doença, lançada em junho de 2020. “O paciente com câncer está mais frágil e químio e radioterapia continuaram”, lembra José Marcelo, CEO do centro.
Mas houve algumas mudanças. Em tempos de pandemia, o senso de urgência do tratamento do paciente oncológico depende de vários fatores. É analisada a gravidade do tumor, a presença do novo coronavírus no organismo e se existem outros casos mais complexos que precisam de uma intervenção mais imediata.
Para ajudar nessas decisões, o A. C. Camargo usa teste de PCR para ter mais claro quem são os pacientes prioritários. O exame é feito mesmo em quem não tem sintoma, mas está com a cirurgia marcada. “Em cada caso analisamos se vale seguir com a cirurgia ou adiá-la por 21 dias”, explica Victor Piana, diretor médico do hospital. Se mantida a agenda, adaptações são feitas no bloco cirúrgico. Quem tem o procedimento adiado recebe ligações diárias de médicos do A. C. Camargo, que monitoram a condição clínica para evitar uma piora descontrolada.
Pacientes estáveis conseguem acessar um software que os ajuda a identificar se é hora de ir para o hospital devido a um sintoma que pode evoluir mal. Dos 304 pacientes que usaram a plataforma, 74 receberam a recomendação de ir encontrar os médicos.
“O grande desafio é manter todo o atendimento para todos os pacientes, principalmente na etapa curativa. A preocupação é sustentar o tratamento em fase crítica e dar suporte em fases iniciais”, afirma Marcelo.
Sem diagnóstico precoce
Por medo de contaminação, as pessoas abriram mão de consultas e exames de rotina. O efeito foi a queda na quantidade de diagnóstico precoce de câncer e outras doenças complexas. No A. C. Camargo, o efeito veio no segundo semestre, com um boom no número de casos, agora já não tão iniciais.
“Em cânceres intermediários, como intestino e pulmão, o sintoma progride em três meses. Em 2020, 25% dos pacientes com câncer colorretal chegaram em estágio mais avançado do que em 2019. Não era mais possível não fazer químio”, explica Piana. “É uma doença que detectamos em exames de rotina, e quando sintomas como dor na região ou sangramento aparecem, é porque o tumor está mais avançado, impondo um tratamento mais longo e mais caro.”
O Programa Oncologia da SulAmérica tem como objetivo orientar o beneficiário com câncer em todas as fases da doença; oferecer suporte e orientação ao segurado no momento do diagnóstico, durante o tratamento, até a remissão da doença ou indicação de cuidados paliativos; cuidados para a prevenção das complicações; orientação quanto à evolução da sua condição de saúde; fornecer conforto emocional e apoio aos pacientes e familiares; diminuir os efeitos colaterais do tratamento; estimular a adesão ao tratamento, melhorar integração entre médico-paciente.
Seguradoras de saúde, como a SulAmérica, também desenvolveram produtos para ajudar no acompanhamento de pacientes oncológicos. Segundo a empresa, quase 8 mil pessoas foram beneficiadas pela iniciativa até agora. O programa contempla a participação de uma equipe multiprofissional (enfermeiro, assistente social, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, nutricionista), que realiza a classificação dos beneficiários por fase (diagnóstico, tratamento e remissão). O sistema também utiliza uma escala de performance para medir o grau de bem-estar do paciente. O acompanhamento é realizado por telemonitoramento e também por visitas domiciliares quando for necessário. (SA)