81 entidades médicas e científicas defendem banimento do uso de medicamentos do kit covid
Como Estadão revelou, uso dos remédios do falso ‘tratamento precoce’ levou cinco pacientes à fila do transplante de fígado e está sendo apontado como causa de ao menos três mortes por hepatite medicamentosa
(Redação, O Estado de S.Paulo, 23 de março de 2021 | 16h37)
Oitenta e uma entidades médicas e científicas brasileiras divulgaram nesta terça-feira, 23, documento no qual alertam sobre a gravidade da situação da pandemia de covid-19 no País e defendem, entre outras medidas, o banimento da prescrição e uso dos medicamentos do chamado kit covid, que inclui drogas sem eficácia contra a doença, como hidroxicloroquina e ivermectina, mas que segue sendo indicado por alguns médicos e defendido pelo presidente Jair Bolsonaro.
Nesta terça, o Estadão revelou que a utilização das drogas já levou cinco pacientes à fila do transplante de fígado em São Paulo e está sendo apontado como causa de ao menos três mortes por hepatite causada por remédios.
Em boletim do Comitê Extraordinário de Monitoramento da Covid-19, grupo liderado pela Associação Médica Brasileira (AMB) e que reúne diversas sociedades científicas e associações médicas de todo o País, as entidades alertam para a falta de estrutura, insumos e profissionais neste momento da pandemia e ressaltam que as fake news “desorientam os pacientes”. Reafirmam ainda que não existe tratamento precoce comprovado contra a doença.
“Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, diz texto do boletim, assinado por 54 sociedades científicas das mais diferentes especialidades e as 27 associações médicas estaduais.
O documento ressalta ainda o risco do uso indevido dos corticoides e anticoagulantes na fase inicial da doença. Os dois tipos de medicamentos podem ajudar no tratamento da fase mais grave da covid, em pacientes hospitalizados. Quando usados no início dos sintomas, ele pode levar ao agravamento do quadro.
“Aos médicos, reafirmamos que o uso de corticoides e anticoagulantes devem ser reservados exclusivamente para pacientes hospitalizados e que precisem de oxigênio suplementar, não devendo ser prescritos na covid leve, conforme diversas diretrizes científicas nacionais e internacionais”, orienta as entidades aos profissionais.
O presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, reafirma que os melhores estudos sobre o tema, “feitos com metodologia adequada”, não mostraram eficácia do uso dessas drogas na redução da mortalidade pela doença.
“Elas não têm eficácia e, em casos raros, podem levar a efeitos colaterais graves. Esse risco só deveria ser aceito se eles fossem extremamente eficazes, o que não é o caso”, disse ele ao Estadão.
O especialista ressalta que os médicos não podem se valer de sua autonomia para indicar medicamentos que não funcionam.
“A autonomia do médico não confere a ele o direito de receitar medicações que não têm comprovação. Muitos fazem isso porque acreditam que a sua experiência sustenta o uso desses fármacos. Pensam que, como tiveram pacientes que usaram esses remédios e melhoraram, isso justifica. Mas a maioria dos pacientes melhoraria mesmo se não tivesse sido tratada. É uma visão muito equivocada”, afirma Fernandes.
A autonomia médica é o principal argumento do Conselho Federal de Medicina para permitir a prescrição desses remédios. O órgão tem sido duramente criticado por não se posicionar e punir médicos que têm insistido em tratamentos comprovadamente ineficazes.
O Código de Ética Médica prevê que é vedado ao médico “causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência”. Em casos de efeitos colaterais de medicações ineficazes contra uma doença, o médico pode ser denunciado no conselho regional de medicina do Estado onde atua.
O Estadão também mostrou em reportagem publicada nesta terça relatos de efeitos colaterais como hemorragias causadas pelo uso indevido dessas drogas.
As entidades recomendam que os pacientes não se automediquem, em especial com corticoides, como dexametasona e predinisona. “Estes fármacos utilizados fora do período correto, especialmente no início dos sintomas, podem piorar a evolução da doença”, diz a nota.
A orientação das entidades é procurar atendimento médico em um posto de saúde ou por telemedicina no caso de sintomas leves, como dor de garganta, tosse, dor no corpo, náuseas, perda de apetite, perda do olfato ou paladar. Se houver falta de ar, a orientação é buscar uma UPA ou pronto-socorro.
No boletim, as instituições defendem ainda a vacinação rápida, o isolamento social, o uso correto de máscaras e a higiene das mãos. Solicitam ainda “esforços políticos e diplomáticos” para a compra de medicamentos usados na intubação, já escassos em vários hospitais.
“São urgentes esforços políticos, diplomáticos e a utilização de normativas/leis de excepcionalidade, para solucionar a falta de medicamentos ao atendimento emergencial de pacientes hospitalares acometidos pela COVID-19, em especial de bloqueadores neuromusculares, opioides e hipnóticos – indispensáveis ao processo de intubação de doentes em fase crítica. Por compromisso ético e zelando pela transparência, informamos que, na ausência destes fármacos, não é possível oferecer atendimento adequado para salvar vidas”, dizem.
Veja abaixo as entidades signatárias do documento:
SOCIEDADES DE ESPECIALIDADES
Academia Brasileira de Neurologia
Associação Brasileira de Alergia e Imunologia
Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica
Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular
Associação Brasileira de Medicina de Emergência
Associação Brasileira de Medicina de Tráfego
Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação
Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas
Associação Brasileira de Medicina Preventiva e Administração em Saúde
Associação Brasileira de Nutrologia
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial
Associação Brasileira de Psiquiatria
Associação de Medicina Intensiva Brasileira
Associação Médica Homeopática Brasileira
Associação Nacional de Medicina do Trabalho
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva
Colégio Brasileiro de Cirurgiões
Colégio Brasileiro de Radiologia
Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura
Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
Federação Brasileira de Gastroenterologia
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular
Sociedade Brasileira de Cardiologia
Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular
Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão
Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço
Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica
Sociedade Brasileira de Clínica Médica
Sociedade Brasileira de Coloproctologia
Sociedade Brasileira de Dermatologia
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva
Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
Sociedade Brasileira de Infectologia
Sociedade Brasileira de Mastologia
Sociedade Brasileira de Medicina de Familia e Comunidade
Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte
Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear
Sociedade Brasileira de Nefrologia
Sociedade Brasileira de Neurocirurgia
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia
Sociedade Brasileira de Patologia
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial
Sociedade Brasileira de Pediatria
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
Sociedade Brasileira de Radioterapia
Sociedade Brasileira de Reumatologia
Sociedade Brasileira de Urologia
ASSOCIAÇÕES MÉDICAS ESTADUAIS FEDERADAS À AMB
Associação Médica do Acre
Sociedade de Medicina de Alagoas
Associação Médica do Amazonas
Associação Médica do Amapá
Associação Bahiana de Medicina
Associação Médica Cearense
Associação Médica de Brasília
Associação Médica do Espírito Santo
Associação Médica de Goiás
Associação Médica do Maranhão
Associação Médica de Minas Gerais
Associação Médica do Mato Grosso do Sul
Associação Médica do Mato Grosso
Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará
Associação Médica de Pernambuco
Associação Piauiense de Medicina
Associação Médica da Paraíba
Associação Médica do Paraná
Sociedade Médica do Estado do Rio de Janeiro
Associação Médica do Rio Grande do Norte
Associação Médica de Rondônia
Associação Médica de Roraima
Associação Médica do Rio Grande do Sul
Associação Catarinense de Medicina
Sociedade Médica de Sergipe
Associação Paulista de Medicina
Associação Médica de Tocantins
Nossa opinião – E ainda tem quem acredite em milhares de charlatães que circulam pelo Brasil afora, dedicados às más diversas atividade e nas horas vagas a puxar o saco de Bolsonaro. (LGLM)