Após recorde de mortes por Covid, Ministério da Saúde altera critérios de confirmação dos óbitos
Sistema para notificação de mortes pela doença passou a ter novos campos de preenchimento obrigatórios. Instabilidade durante a alteração do sistema provocou queda nos registros, dizem técnicos. À TV Globo, Conasems disse que ocorreu ‘falha de comunicação’ e pediu retirada de campos obrigatórios.
(Por Ana Carolina Moreno e César Tralli, TV Globo, 24/03/2021 13h39 Atualizado há 9 minutos)
Nesta terça-feira (23), dia em que o Brasil bateu novamente o recorde de mortes por Covid-19 confirmadas em 24 horas, o Ministério da Saúde alterou a ficha dos pacientes no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe).
São Paulo diz que mudança impactou contagem de mortes: foram 281 em 24 horas
Conselho de secretarias pede retirada de novos campos do sistema
Conselho de secretários diz que não foi avisado sobre mudança
A informação é de técnicos responsáveis por preencher diariamente as atualizações sobre novos óbitos causados pela doença. Segundo esses técnicos, os dois principais impactos da nova ficha foram:
a falta de aviso prévio por parte do Ministério da Saúde às secretarias – ao contrário do que ocorreu em julho de 2020, quando havia ocorrido a última mudança na ficha;
e a exigência de preenchimento obrigatório de novos campos (veja, abaixo, quais são) – para os técnicos, isso pode aumentar o atraso entre a ocorrência das mortes e o registro delas no sistema, para que constem do balanço oficial diário.
O Sivep-Gripe é o sistema oficial onde todas as novas hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) devem ser compulsoriamente notificadas desde 2009 (leia mais ao final da reportagem). Em 2020, com a pandemia do novo coronavírus, ele passou a ser usado também como a fonte oficial das mortes confirmadas por Covid-19.
A TV Globo procurou o Ministério da Saúde para confirmar se recente a mudança no Sivep-Gripe foi combinada com as secretarias estaduais e municipais, mas não havia recebido retorno até a última atualização desta reportagem.
A secretaria-executiva do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) informou, na tarde desta quarta-feira (24), que defende a retirada dos novos campos obrigatórios.
Já presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, disse que o Ministério da Saúde tem de rever “imediatamente” a norma que altera critérios de mortes por Covid-19. De acordo com ele, a entidade não foi avisada pela pasta.
Saiba quais são as mudanças
A nova ficha distribuída às vigilâncias de saúde municipais e estaduais trouxe uma série de mudanças. Foi incluído, por exemplo, um campo para informar se o paciente pertence a uma comunidade tradicional. Outros campos, por outro lado, foram excluídos – caso do histórico de viagem internacional.
Outras alterações, no entanto, devem afetar mais diretamente o trabalho de preenchimento do sistema, como a obrigatoriedade de informar:
o número do Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS);
se o paciente é brasileiro ou estrangeiro;
e se já foi vacinado contra a Covid-19.
Todos esses campos inexistiam na versão anterior da ficha, em utilização desde julho de 2020.
Além disso, o campo do número do CPF, que antes era considerado “essencial”, passa a ser obrigatório. Caso o paciente não tenha o CPF em mãos, é obrigatório preencher o Cartão Nacional do SUS. A única exceção para essa obrigatoriedade refere-se aos pacientes declarados indígenas na ficha.
Instabilidade na terça-feira
Nesta quarta-feira (24), pelo menos dois governos estaduais e um municipal relataram que houve queda na notificação de novas mortes devido às mudanças no sistema.
Em São Paulo, o governo afirmou que “a medida pegou os municípios de surpresa, fazendo com que muitas cidades não conseguissem registrar todos os óbitos no sistema nacional oficial”.
“Além disso, muitas cidades reportaram à Secretaria de Estado da Saúde instabilidade do sistema desde a tarde de ontem [terça], também dificultando a inserção de dados.”
Na terça, São Paulo confirmou 1.021 óbitos, principalmente por causa do represamento no fim de semana, que é mais alto do que nos dias úteis.
Nesta quarta, porém, foram 281 óbitos confirmados em 24 horas, número mais baixo para este dia da semana desde 17 de fevereiro – e bem inferior à média móvel registrada nesta terça, de 532 mortes diárias. Com a queda na produtividade, a média também caiu para 484.
Em Mato Grosso do Sul, o secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende, afirmou que as 20 novas mortes confirmadas em 24 horas não representam a “realidade”.
“Nós estamos tendo muito mais óbitos que esses anunciados hoje. Mas é porque o sistema, chamado Sivep, está com oscilação, está dificultando a inserção de dados, e certamente amanhã nós vamos ter um número elástico de óbitos, já que a nossa média móvel já ultrapassou a 30 óbitos por dia”, afirmou o secretário de Saúde de MS, Geraldo Resende.
“E a gente sabe que esse número de hoje está a menor do que o que aconteceu nos últimos dias por essa oscilação do sistema do Ministério da Saúde.”
No Rio Grande do Sul, a Prefeitura de Porto Alegre também confirmou em nota “que enfrenta problemas para inserir dados sobre o coronavírus no sistema Sivep-Gripe, do Ministério da Saúde” e que a situação ocorre desde terça-feira.
Segundo a prefeitura da capital gaúcha, “a instabilidade possivelmente tem causado represamento nos dados”, já que hospitais da cidade também submetem dados ao sistema.
A prefeitura diz que “apura mais informações sobre o atraso” e que o “Ministério da Saúde informou ao município que ‘estão tentando localizar o problema e resolver o quanto antes'”.
Impacto na contagem de mortes
A ficha do Sivep-Gripe é válida para todos os hospitais e vigilâncias municipais do país. A ficha do paciente vai sendo preenchida conforme o ele evolui e novas informações são obtidas – como o resultado de exames, a necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou de ventilação mecânica, além da data da alta ou do óbito.
Segundo técnicos que são usuários do Sivep, em mudanças anteriores da ficha, não houve necessidade de preenchimento retroativo de novos campos para pacientes que já constavam do sistema.
Coordenador do InfoGripe – plataforma da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que desde antes da pandemia já usava o Sivep-Gripe para rastrear os casos de SRAG no Brasil –, Marcelo Gomes explica que a mudança pode provocar atraso de notificação de casos e de óbitos.
Segundo ele, “é uma mudança que facilita a limpeza de duplicidades e identificação de casos suspeitos de reinfecção, mas o impacto na ponta é muito grande por conta da falta de acesso fácil ao CPF e CNS de todos os pacientes internados”.
Ele explica que “diversos pacientes buscam atendimento apenas com RG, tornando a ausência de acesso ao CPF importante. Nesses casos, torna-se necessário o agente de saúde pesquisar o CNS do paciente, caso já tenha sido cadastrado ou efetuar o cadastro do CNS caso contrário”.
Para Gomes, a mudança “tende a atrasar ainda mais o registro, aumenta a carga de trabalho, por ter que buscar o CNS do paciente que não apresentar CPF, e corre-se o risco de perda de registros por conta disso”.
Nossa opinião – A mudança parece suspeita justamente quando o Brasil alcançou um recorde de mortes por coronavírus. Mas vamos esperar a estabilização do sistema e que os operadores a nível estadual e municipal se acostumem com a sua utilização, para termos uma avalização mais precisa. Com relação aos problemas verificados à primeira vista, vamos usar a opinião do especialista da Fiocruz, um acreditado órgão do Governo Federal, coordenador do sistema de informação oficial.
Marcelo Gomes explica que a mudança pode provocar atraso de notificação de casos e de óbitos. Segundo ele, “é uma mudança que facilita a limpeza de duplicidades e identificação de casos suspeitos de reinfecção, mas o impacto na ponta é muito grande por conta da falta de acesso fácil ao CPF e CNS de todos os pacientes internados”.
Ele explica que “diversos pacientes buscam atendimento apenas com RG, tornando a ausência de acesso ao CPF importante. Nesses casos, torna-se necessário o agente de saúde pesquisar o CNS do paciente, caso já tenha sido cadastrado ou efetuar o cadastro do CNS caso contrário”.
Para Gomes, a mudança “tende a atrasar ainda mais o registro, aumenta a carga de trabalho, por ter que buscar o CNS do paciente que não apresentar CPF, e corre-se o risco de perda de registros por conta disso”. (LGLM)