Comandantes das Forças Armadas pedem demissão em protesto contra Bolsonaro

By | 30/03/2021 3:24 pm

Inédita, crise militar é a maior desde 1977, mas fardados trabalham para baixar a temperatura

(Igor Gielow, Vinicius Sassine e Gustavo Uribe)

Pela primeira vez na história, os três comandantes das Forças Armadas pediram renúncia conjunta por discordar do presidente da República.

Todos reafirmaram que os militares não participarão de nenhuma aventura golpista, mas buscam uma saída de acomodação para a crise, a maior na área desde a demissão do então ministro do Exército, Sylvio Frota, em 1977 pelo presidente Ernesto Geisel.

Na manhã desta terça, Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição do general da reserva Walter Braga Netto, novo ministro da Defesa.

Braga Netto tentou dissuadi-los de seguir o seu antecessor, o também general da reserva Fernando Azevedo, demitido por Jair Bolsonaro na segunda-feira (29), que também estava na reunião.

Houve momentos de tensão na reunião, segundo relatos. Com efeito, na nota emitida pelo Ministério da Defesa, é dito que os comandantes serão substituídos —e não que haviam pedido para sair.

É uma forma de Bolsonaro asseverar autoridade em um momento conturbado, evocando princípio de hierarquia. Ao mesmo tempo, evitar amplificar a crise.

Na reunião, segundo relatos feitos à Folha, o comandante da Marinha teve um momento de exaltação com o novo ministro da Defesa, Braga Netto. Insatisfeito com a demissão de Azevedo, o almirante apontou que a mudança pode gerar apreensão no país e que afeta a imagem das Forças Armadas.

A tendência hoje é a de que seja indicado o atual secretário-geral do Ministério da Defesa, almirante Garnier Santos, para o comando da Marinha, e o comandante militar do Nordeste, general Marco Freire Gomes, para o comando do Exército. Para a Aeronáutica, ainda não há um nome definido.

O fato de Freire Gomes não estar entre os três mais antigos generais de quatro estrelas causou ruídos no Exército, levados a Bolsonaro pela ala militar do Planalto, mas o tema não é visto como incortonável.

Há reverberações. Generais do Alto-Comando do Exército afirmaram que a pressão pela saída de Pujol vai alienar ainda mais Bolsonaro da Força, o contrário do movimento proposto.

O mal-estar pelo anúncio inesperado da saída de Azevedo, que funcionava como pivô entre as alas militares no governo, o serviço ativo e o Judiciário, foi grande demais.

O motivo da demissão sumária do ministro foi o que aliados dele chamaram de ultrapassagem da linha vermelha: Bolsonaro vinha cobrando manifestações políticas favoráveis a interesses do governo e apoio à ideia de decretar estado de defesa para impedir lockdowns pelo país.

O presidente falou publicamente que “meu Exército” não permitiria tais ações. Enquanto isso, foi derrotado no Supremo Tribunal Federal em sua intenção de derrubar restrições em três unidades da Federação, numa ação que não foi coassinada pelo advogado-geral da União, José Levi —ajudando a levar à sua queda, também na segunda.

Enfrentar medidas de governadores para tentar restringir a circulação do novo coronavírus, que já matou 310 mil pessoas, é a obsessão do presidente desde que ele capitulou ante o governador João Doria (PSDB-SP) e abraçou a causa da vacinação.

As restrições têm menos apoio popular do que a imunização, e o presidente acredita que lockdowns e afins dificultarão ainda mais seus planos de reeleição pelo natural efeito negativo na economia. Sua popularidade vem em queda.

Ele chegou a comparar as medidas a um estado de sítio, uma impropriedade, mas só a referência a um instrumento de exceção levou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, a questionar suas intenções.

Em reuniões na segunda, segundo interlocutores, os três comandantes concordaram que seria importante fazer uma transição pacífica e controlada, com consenso sobre os nomes dos substitutos.

Há o temor de agitação nos quartéis, até porque nesta quarta (31) serão completados 57 anos do golpe que deixou os militares mais de duas décadas no poder, até 1985. A palavra de ordem é acalmar os ânimos.

A lembrança do episódio de Frota em 1977 é viva na cabeça dos oficiais-generais, todos formados em turmas em anos próximos.

Mas há diferenças: vivia-se uma ditadura em abertura por Geisel, e Frota se opunha a isso. Além do mais, ele era ministro —a pasta da Defesa só viria a ser criada em 1999, e ficou com civis à sua frente até 2018. O ministério, aliás, se acostumou com crises: 5 de seus 12 titulares até aqui saíram de forma conturbada.

Os comandantes se encontraram com Azevedo nesta manhã, na Defesa. Braga Netto conversou com eles na sequência.

Todos eles são mais antigos do que o ministro, jargão militar para dizer que se formaram em turmas anteriores à dele. Isso tem um peso grande no esquema hierárquico das Forças.

O mais agastado era Pujol, desafeto de Bolsonaro desde o ano passado, por divergências na condução do combate à pandemia: enquanto o presidente adotava uma agenda negacionista, o general lhe ofereceu o cotovelo em vez de um aperto de mão.

O presidente tentou removê-lo do comando, sem sucesso por falta de apoio de Azevedo. Recentemente, cobrou uma posição crítica ao Supremo Tribunal Federal devido à restauração dos direitos políticos de Luiz Inácio Lula da Silva.

Azevedo e Pujol não repetiram o ex-comandante Eduardo Villas Bôas, que gerou celeuma ao pressionar a corte em 2018 a não conceder um habeas corpus ao ex-presidente, o que abriu caminho para seus 580 dias de prisão.

Pujol também foi duro ao dizer claramente que os militares tinham de ficar fora da política, no fim de 2020. A insatisfação do serviço ativo com a gestão do general Eduardo Pazuello, que não foi à reserva, à frente da Saúde foi outra fonte de estresse.

O trabalho de Braga Netto agora será acertar uma acomodação de nomes. Para Marinha e Aeronáutica, Forças de menor peso relativo, a sucessão deverá ser menos nevrálgica do que no Exército.

Ambas as Forças estão reunidas nesta tarde de terça para discutir os nomes a serem indicados para Braga Netto.

Em reunião na noite de segunda, o Alto-Comando da Força elencou os nomes à mesa, todos os mais longevos com quatro estrelas sobre os ombros.

A partir desta quarta (31), o mais longevo será José Luiz Freitas (Operações Terrestres), que irá à reserva em agosto. O mais antigo, Decio Schons (Departamento de Ciência e Tecnologia), deixa a ativa neste dia.

O segundo mais antigo é o chefe do Estado-Maior, o número 2 da hierarquia, Marco Antônio Amaro dos Santos. Ele trabalhou com Dilma Rousseff (PT), o que dificulta suas chances.

Mais obstáculos se colocam para o terceiro, Paulo Sérgio (Diretoria de Pessoal, que cuida da saúde dos fardados). Ele concedeu uma entrevista elencando as medidas restritivas que fizeram o Exército ter um índice de contaminação muito menor do que o da população, irritando o presidente.

Laerte Souza Santos (Comando Logístico) é o próximo da lista, mas era chefe do general Eugênio Pacelli, que perdeu o cargo após ter portarias de controle de armas derrubadas por ordem de Bolsonaro.

O próximo na fila é o comandante do Nordeste, Marco Antônio Freire Gomes.

Todos são próximos de Pujol, mas Freire Gomes tem simpatia no Palácio do Planalto por ter seguido uma carreira muito próxima à de Luiz Eduardo Ramos (Brigada Paraquedista, Forças Especiais), o general que agora foi para a Casa Civil e é um dos mais antigos amigos de Bolsonaro.

Ele sai como favorito para o lugar de Pujol, portanto. O fato de não ser o mais antigo não é impeditivo: já houve outros comandantes que foram escolhidos na mesma condição.

MINISTROS MILITARES DE BOLSONARO

Casa Civil
Luiz Eduardo Ramos, general da reserva do Exército

Defesa
Walter Souza Braga Netto, general da reserva do Exército

Gabinete de Segurança Institucional
Augusto Heleno, general da reserva do Exército

Ciência e Tecnologia
Marcos Pontes, tenente-coronel da reserva da Aeronáutica

Minas e Energia
Bento Albuquerque, almirante da reserva da Marinha

Infraestrutura
Tarcísio de Freitas, capitão da reserva do Exército

Controladoria-Geral da União
Wagner Rosário, capitão da reserva do Exército

MILITARES QUE JÁ FORAM MINISTROS OU OCUPARAM POSIÇÕES DO ALTO ESCALÃO DO GOVERNO

Secretaria de Governo
Carlos Alberto dos Santos Cruz, general da reserva do Exército

Porta-voz da Presidência da República
Otávio do Rêgo Barros, general da reserva do Exército

Ministério da Defesa
Fernando Azevedo e Silva, general da reserva do Exército

Ministério da Saúde
Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército

Secretaria-Geral da Presidência
Floriano Peixoto, general da reserva do Exército

Secretário especial do Esporte do Ministério da Cidadania
Décio Brasil, general da reserva do Exército

Presidente do Incra
João Carlos Corrêa, general da reserva do Exército

Presidente dos Correios
Juarez Cunha, general da reserva do Exército

Presidente da Funai
​Franklimberg Freitas, general da reserva do Exército

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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