Solução de consenso para tentar amainar crise tem 2 nomes próximos e 1 criticado pelo bolsonarismo
(Igor Gielow, na Folha)
Buscando evitar uma escalada na pior crise militar desde 1977, o presidente Jair Bolsonaro escolheu para o comando das Forças Armadas oficiais-generais com perfis complementares, respeitando critérios de antiguidade caros aos militares.
Ainda sofrendo os abalos secundários do terremoto que derrubou a cúpula militar brasileira em dois dias, Bolsonaro foi salomônico.
Indicou um criticado pelo Planalto para chefiar o Exército, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Para a Marinha, o almirante Almir Garnier, próximo da gestão anterior na Defesa mas visto como bolsonarista moderado. Na Força Aérea, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr., próximo do bolsonarismo.
O movimento, coordenado pelo novo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, foi o de buscar apaziguar as tensões depois da traumática intervenção do governo no meio militar.
Bolsonaro demitiu sumariamente o general Fernando Azevedo da Defesa porque não via o apoio a ideias intervencionistas e até golpistas que gostaria entre os fardados da ativa —no governo, há ministro de sobra oriundo das Forças.
A decisão pela renúncia coletiva inédita dos três comandantes, atravessada com um “eu sou o chefe aqui” seguido de ordem de demissão por Braga Netto, deixará marcas por muito tempo nas complexas relações civil-militares no governo do capitão reformado que saiu enxotado do Exército para entrar na política em 1988.
Isso dito, até por iniciativa das cúpulas, os Altos-Comandos do Exército e da Força Aérea e o Almirantado, houve uma busca por consenso em torno dos nomes dos novos chefes militares. Aí entra a questão da antiguidade, muito prezada no setor.
No Exército, principal Força com 220 mil dos 380 mil militares do país, o cargo ficou com Paulo Sérgio, chefe do Departamento-Geral de Pessoal, responsável também pela saúde na corporação.
Uma entrevista concedida por ele no domingo ao jornal Correio Braziliense, na qual louvava o trabalho do Exército em manter a Covid-19 sob controle relativo em seu efetivo, gerou críticas duras no Palácio do Planalto.
Bolsonaro o criticou por dizer que o Exército se preparava para uma terceira onda da Covid-19 —tema sensível, dado que boa parte da tragédia da pandemia é debitada da gestão de outro general, Eduardo Pazuello, que deixou a Saúde.
Além disso, Paulo Sérgio é um nome próximo do comandante que sai, Edson Leal Pujol. Bolsonaro chegou a sugerir a saída do agora comandante a Azevedo, que a rechaçou.
Com a ida nesta quarta (31) de Décio Schons (Departamento de Ciência e Tecnologia), o decano do Alto-Comando, e de César Augusto Nardi de Souza (Assuntos Estratégicos do Ministério da Defesa), à reserva, Paulo Sérgio ficou como o terceiro mais longevo do colegiado.
O primeiro passa a ser José Luiz Freitas (Operações Terrestres), que vai à reserva em agosto, e Marco Antonio Amaro dos Santos (Estado-Maior), o número 2 da Força que tem resistências no Planalto por ter trabalhado na Casa Militar de Dilma Rousseff (PT).
A escolha entre os três mais experientes é usual. Eduardo Villas Bôas era o terceiro mais antigo quando virou comandante em 2014.
Com isso, ficou de fora Marco Antônio Freire Gomes (Comando Militar do Nordeste), que era o sexto na fila e o preferido pelo Planalto para ser o novo comandante.
A sugestão, atípica para a Força, incomodou os membros do Alto-Comando. De resto, o colegiado, com seus 15 generais da ativa e o comandante, está com fileiras cerradas nesta crise. A ideia de resistir a qualquer politização vinda do Planalto segue em pé por ora.
Outra escolha tradicionalista é a de Almir Garnier, o almirante mais longevo, para o Comando da Marinha. Ele era o número 2 de Azevedo na Defesa, o que soa como um armistício em si. Ele é conhecido como uma figura hábil em negociações e afeito a composições, não conflito.
Por outro lado, ele também tem bom trânsito junto ao presidente, sendo visto por muitos observadores como um bolsonarista moderado.
A nota mais bolsonarista, por assim dizer, ficou por conta da decisão da FAB (Força Aérea Brasileira). O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr., comandante-geral da área de logística, atende aos critérios de antiguidade e é filho de um ex-comandante da Força.
Baptista pai teve sua cota de crise. Assumiu a FAB em 1999 após a queda de Walter Bräuer, um brigadeiro que criticara o primeiro ministro da Defesa, o recém-empossado Elcio Alvares, pelas ligações obscuras de seu entorno com o tráfico.
Baptista Jr. é uma ávido frequentador de redes sociais. Sua conta no Twitter difere pouco de um perfil bolsonarista moderado, se tal definição é possível.
Entre muitas postagens sobre assuntos de sua área, com uma paixão particular pela aviação de caça de sua origem, o trabalho da FAB na pandemia e os foguetes de Elon Musk, há republicações de mensagens colocando em dúvida a necessidade da vacinação universal (23.dez.2020) ou a validade das instituições (5.dez.2020).
Bolsonaristas-raiz estão aqui e ali por lá, como Abraham Weintraub (ex-MEC), Sérgio Machado (Fundação Palmares) e Luiz Philippe de Orléans e Bragança (deputado pelo PSL-SP).
Mas nada de Olavo de Carvalho, para ficar nos exageros da turma, e ao menos um toque que causaria estranhamento no meio dela: um lamento pela extinção do duo francês de música eletrônica Daft Punk. E críticas ao comunismo, algo padrão nas Forças Armadas.
Com tudo isso e sem grandes inversões na ordem hierárquica, Braga Netto tentará começar oficialmente sua gestão na próxima terça (6) com um ambiente menos turbulento.
Pode ser, até que seu chefe conclame pela primeira vez o “meu Exército” para agir contra medidas de restrições ao verdadeiro inimigo, o Sars-CoV-2.