Ascensão com tempo de carreira inferior ao dos comandantes foi vista como quebra de hierarquia
(Gustavo Uribe, Vinicius Sassine e Ricardo Della Coletta, na Folha)
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não foi o único que recebeu críticas da cúpula militar, nos bastidores, sobre a troca feita pelo Palácio do Planalto no Ministério da Defesa.
Novo ministro da pasta, o general da reserva Walter Braga Netto também tem reservadamente recebido críticas de militares do governo por ter aceitado o pedido do presidente para assumir o cargo, o que, na avaliação deles, pode incentivar uma exploração política das Forças Armadas.
Também em caráter reservado, esses militares mais críticos dizem que, ao ter aceitado o posto, Braga Netto, até então ministro da Casa Civil, não respeitou a posição do ex-ocupante do cargo, o general da reserva Fernando Azevedo, e se tornou uma espécie de preposto de Bolsonaro.
O tempo de carreira de Braga Netto também é um fator que tem gerado controvérsia na cúpula militar.
O general ascendeu ao cargo de comando da Defesa com um tempo inferior aos dos comandantes do Exército e da Marinha, o que é visto por integrantes da cúpula militar como uma quebra grave de hierarquia.
Colegas dele alertam ainda que, diante da conjuntura atual, a imagem do ministro sai desgastada junto a generais da ativa e da reserva e que ele errou ao não ter feito até agora uma declaração incisiva para negar qualquer ameaça à democracia.
O único posicionamento público de Braga Netto foi feito na mensagem do Ministério da Defesa alusiva ao aniversário do golpe militar de 1964.
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“As Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o país, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”, ressaltou trecho da nota.
Procurado pela Folha, o ministro não se manifestou.
Nos bastidores do Planalto, a postura de Braga Netto lhe rendeu o apelido de “interventor do presidente”. A alcunha é uma referência ao posto de interventor federal no Rio Janeiro, posto ocupado pelo general em 2018, ainda no governo Michel Temer (MDB).
Nem bem tomou posse no cargo, o novo ministro enfrentou nesta terça-feira (30) a sua primeira crise na pasta, com a decisão dos três comandantes das Forças Armadas de pedirem renúncia conjunta.
Em uma reunião tensa com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, Braga Netto ouviu, segundo relatos da Folha, que nenhum deles participaria de uma aventura golpista.
Na reunião, ainda de acordo com relatos, o comandante da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior, teve um momento de exaltação com o novo ministro da Defesa.
Insatisfeito com a demissão de Azevedo, o almirante apontou que a mudança pode gerar apreensão no país e que afeta a imagem das Forças.
Fernando Azevedo e Silva deixou o comando do Ministério da Defesa após ser demitido pelo presidente Jair Bolsonaro em 29 de março de 2021 Pedro Ladeira – 4.nov.19/Folhapress
A demissão de Azevedo ocorreu em um momento em que Bolsonaro vinha cobrando da Defesa manifestações políticas favoráveis a interesses do governo.
O presidente também buscava apoio nas Forças Armadas à ideia de decretar estado de defesa para impedir a adoção de medidas de restrição por governos estaduais e municipais por causa da pandemia da Covid-19.
Bolsonaro pressionava pela saída do comandante do Exército, general Edson Pujol, que vinha dando sinais públicos de que não concordava com a politização da instituição.
Agora, Exército, Aeronáutica e Marinha precisarão de novos comandantes. Para fechar essa equação diante do fato de Braga Netto ser mais “moderno” (jargão para indicar que tem tempo de carreira menor), as indicações precisarão levar em conta esse fator caro à hierarquia e à cultura militares.
O tempo de carreira foi, inclusive, um dos fatores levados em conta para a demissão coletiva do general Edson Leal Pujol, do tenente-brigadeiro Antonio Bermudez e do almirante Ilques Barbosa Júnior.
O incômodo entre generais de quatro estrelas se estende ao que pode ocorrer na definição do novo comando do Exército. O favorito até o momento é o general Marco Freire Gomes, comandante militar do Nordeste.
Gomes é mais “moderno” que três generais quatro estrelas de sua turma na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), a de 1980, e que um general quatro estrelas da turma de 1979, segundo colegas seus de farda. Assim, ele quebraria uma hierarquia por antiguidade, caso passe à frente.
O general não integraria nem uma lista tríplice, como é habitual que seja feito com os mais antigos, para escolha pelo presidente.
Na visão de generais, a demissão de Azevedo desestabilizou uma regra cara aos militares. Ele era mais antigo que os comandantes que agora deixaram o cargo.
O raciocínio é válido mesmo se levando em conta que o cargo de ministro da Defesa era tradicionalmente ocupado por um civil justamente como forma de limitar o poder militar. Essa tradição foi quebrada no governo Temer, com a indicação do general da reserva Joaquim Silva e Luna para o comando da pasta.
Foi a primeira vez que a Defesa teve um militar no comando desde 1999, quando a pasta foi criada. Luna e Silva foi depois indicado por Bolsonaro para presidir a Petrobras. Segundo generais ouvidos pela reportagem, Luna e Silva era mais antigo que os comandantes das Forças na ocasião.
Na visão dos militares, o impasse sobre o que está ocorrendo agora, por força da intervenção de Bolsonaro no Ministério da Defesa e nas Forças Armadas, resume-se a um questionamento: como receber ordens de um militar mais “moderno”?
A expectativa é que Braga Netto anuncie nesta quarta-feira (31) os novos comandantes das três Forças. Para a Marinha, o favorito é o atual secretário-geral do Ministério da Defesa, almirante Garnier Santos. Para a Aeronáutica, ainda não há um nome definido.
Com a polêmica em torno da eventual nomeação de Freire Gomes, ministros militares têm tentando convencer Bolsonaro a escolher outro nome para o posto, evitando nova crise com o Exército.