Em tese a ideia é boa. Mas quem garante que você está imunizado ao tomar uma vacina sem aprovação da ANVISA?

By | 07/04/2021 2:56 pm

Compra de vacina por empresas: projeto de lei na Câmara enfraquece Anvisa e SUS, dizem especialistas

Mesmo com a obrigatoriedade de doar metade das doses compradas para o governo, especialistas ressaltam que empresários poderão comprar vacinas sem registro no Brasil e, por isso, elas não poderão ser utilizadas no SUS.

(Laís Modelli e Mariana Garcia, G1)

Especialistas afirmam que o projeto de lei que libera a compra de vacinas contra a Covid-19 pelo setor privado para imunizar funcionários é inconstitucional, sem utilidade para o SUS e uma tentativa do lobby de empresários de enfraquecer a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), único órgão no Brasil com autoridade para aprovar o uso de medicamentos.

Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do PL 948/21 na terça-feira (6) e a votação deve ser retomada nesta quarta-feira (7) para concluir a análise. O projeto, então, seguirá para o Senado e, depois de aprovado, precisará de sanção presidencial para entrar em vigor.

Para o médico e advogado do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP, Daniel Dourado, o projeto é um drible na autoridade da Anvisa para que empresários possam comprar vacinas sem respaldo científico no Brasil.

“É uma tentativa dos empresários de tirar o poder regulador da Anvisa para conseguirem comprar vacinas sem aprovação para uso emergencial ou registro e utilizar nos seus empregados”, diz Dourado.

Thomas Conti, doutor em economia e professor do Insper, também afirma que o projeto tira a autoridade da Anvisa.

“O PL foi anunciado como um projeto para facilitar a participação de empresas na vacinação, mas ele é muito radical, pois permite que vacinas aprovadas em qualquer regime, em qualquer lugar do mundo, sejam trazidas para o Brasil sem o aval da Anvisa”, diz Conti. “É um jeito de desviar da Anvisa”.

Antecipar vacinação de outros grupos é ‘imoral’

Outro ponto debatido pelos especialistas trazidos pelo PL é o fim da obrigatoriedade de aguardar a vacinação de grupos prioritários realizada pelo SUS. Para o médico sanitarista e ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina, a ação é “imoral”.

“É uma imoralidade você conseguir antecipar sua vacinação porque tem dinheiro. Quem tem dinheiro toma a vacina antes. É isso que estamos propondo? Quem tem dinheiro pode qualquer coisa e quem não tem fica na fila? Vamos instalar a barbárie no Brasil?”, diz Vecina.

‘Inútil’ para a imunização do SUS

Os especialistas ressaltam dois pontos considerados mais problemáticos na proposta:

Permissão dada ao setor privado para comprar vacinas sem aval da Anvisa, indispensável para garantir eficácia, qualidade e segurança do medicamento

Doses não aprovadas pela agência reguladora não poderão ser usadas na vacinação gratuita, promovida pelo Sistema Único de Saúde (SUS)

Com isso, acreditam os especialistas, o projeto de lei também não vai facilitar e nem acelerar a campanha de vacinação contra Covid-19 no Brasil

“Sem a autorização de uso emergencial ou registro no Brasil, qual a utilidade dessas vacinas para o SUS? Os estados e municípios não poderão usar essas doses. Isso será uma brecha para as empresas entrarem com judicialização para aplicaram 100% das doses nos funcionários”, analisa Dourado.

“O projeto é inútil. Não são doses que vão ajudar a aumentar a oferta no Brasil. São doses que o governo se recusou a usar”, diz Thomas Conti.

Com isso, o projeto de lei também não vai facilitar e nem acelerar a campanha de vacinação contra Covid-19 no Brasil.

“Nas condições apresentadas no projeto, não vejo nenhum tipo de benefício que o Brasil poderia ter. É possível pensar projetos que o setor privado, de fato, ajudaria. Seja trazer vacinas, o que é muito difícil hoje, ou aumentar a velocidade da vacinação, que é mais fácil. Mas o PL não atua nesse sentido”, afirma Conti.

‘Estratégia política para empresários’

Para Dourado, o principal interesse do lobby dos empresários com o PL 948/21 é a compra de vacinas que ainda não foram autorizadas pela Anvisa, uma vez que grandes laboratórios já aprovados no Brasil, como AstraZeneca e Pfizer, já afirmaram que não pretendem vender neste momento para o setor privado.

Em janeiro, por exemplo, após o presidente Jair Bolsonaro dizer que o governo apoiava a aquisição de 33 milhões de doses da AstraZeneca/Oxford por empresas, os laboratórios esclareceram que a prioridade é vender para os governos e para a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Percebemos que esse projeto de lei é uma estratégia política para favorecer empresários, que estão loucos para reabrirem suas empresas com a propaganda de ‘aqui estão todos vacinados'”, afirma Dourado.

Do ponto de vista da saúde pública, dispensar o aval da Anvisa é um risco muito grande, analisa Vecina. “Se a Anvisa não aprovou é porque a vacina não tinha condições esperadas para ser aprovada”.

Ele cita como exemplo a negativa da agência em certificar a vacina Covaxin. “Veja o que aconteceu na Índia. A fábrica não passou na inspeção. Uma fábrica que não passa em inspeção produz uma vacina que não é boa, não tem segurança. Quem comprar uma vacina da Bharat Biotech está comprando uma vacina que provavelmente pode ter problema de esterilização, por exemplo”, diz.

Em janeiro, a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) enviou uma delegação à Índia para negociar com a Bharat Biotech a possível compra de milhões de doses do imunizante para serem comercializados por clínicas privadas no Brasil. A vacina indiana ainda não tem comprovação de eficácia publicada em revistas científicas.

No final de março, a Anvisa negou a certificação de boas práticas a Bharat Biotech. Entre os problemas apontados estão questões sanitárias, de controle de qualidade e de segurança na fabricação da Covaxin. Sem o aval, a vacina não pode ser adquirida pelo Ministério da Saúde para ser utilizada no SUS.

“Uma coisa são os empresários querendo comprar vacina, outra coisa é o Congresso aprovar uma lei que não passa pela Anvisa (…) o Congresso está assumindo um risco pelo qual ele não poderá responder. A resposta por esse risco tinha que ser dada pela Anvisa. É um desastre”, analisa Vecina.

Veja no vídeo abaixo como funciona a Covaxin:

Com a aprovação do PL 948/21, a Covaxin poderia ser usada pelos empresários, mesmo sem o respaldo científico que garante a segurança e qualidade da vacina. “O interesse não é a saúde, é econômico”, diz Dourado.

Concorrente para a vacinação pública

O infectologista Marcelo Otsuka, vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), afirma que o projeto de lei, se aprovado, poderá ser mais um obstáculo do governo brasileiro em adquirir vacinas contra a Covid-19 para a população.

“É importante entender que os laboratórios em geral não vendem para empresas particulares, a venda hoje é restritas aos governos porque é uma necessidade do mundo inteiro”, diz Otsuka.

O infectologista afirma que, uma vez que os laboratórios negociam apenas com os governos, o governo brasileiro provavelmente terá que intermediar as negociações entre as farmacêuticas e o setor privado.

“Ou seja, ao invés de o governo intermediar para a compra de vacinas para a população, vai intermediar para empresas particulares. Isso gera um conflito em relação à prioridades”, afirma o médico.

Para o infectologista, o PL cria um concorrente para as vacinas públicas que seriam adquiridas pelo SUS. “Eu particularmente não acho de bom tom isso. Na verdade, se está criando um novo concorrente para a vacina que daríamos para o povo”.

Inconstitucional

O médico e advogado sanitarista Dourado, que classifica o PL 948/21 como “vergonhoso e inconstitucional”, explica que a proposta fere o artigo 200 da Constituição Federal. O trecho aponta ser atribuição única e exclusiva do sistema de saúde brasileiro atestar a segurança e qualidade de medicamentos.

“Ao ignorar e isolar a Anvisa, estaremos passando a autoridade de regulação dos nossos medicamentos para agências internacionais”, explica Dourado.

O especialista dá como exemplo o caso da vacina Sputnik V, do Instituto Gamaleia, da Rússia. O imunizante ainda não foi liberado pela Anvisa, mas já está sendo produzido no Brasil pela farmacêutica União Química, que garante utilizar os mesmos insumos que a fabricante russa.

“Acontece que utilizar os mesmos insumos na fabricação de uma vacina não significa dizer que é a mesma vacina. Por isso precisamos do aval da Anvisa e não apenas do aval da agência reguladora de outro país”, afirma o médico e advogado.

“Com o PL 948/21 , os empresários conseguiriam já aplicar a vacina neste momento, ainda sem o aval da Anvisa”, diz Dourado.

Apesar de estarem em contato desde janeiro com a agência reguladora brasileira, a União Química ainda não apresentou todos os dados requeridos pela Anvisa para avaliar segurança e qualidade da vacina. O laboratório tem até 16 de maio para apresentar a documentação complementar, data em que termina o prazo de 120 dias para cumprimento de exigências.

 

Nossa opinião -Em tese, a ideia é boa. A vacinação estaria sendo agilizada. Mas qual a garantia de que a vacina que você usou é de boa qualidade, se não foi aprovada pela Anvisa. Você confiaria em uma vacina do Paraguai? Mas em tese, uma empresa pode comprar uma vacina fabricada e autorizada pelo Paraguai e aplicar em você, só para dizer que você está vacinado e já pode trabalhar. E você pode a partir dai, sem estar imunizado realmente pegar a COVID e levar para seus pais, seus irmãos e seus filhos. E aí? Que segurança teria esta vacinação? Os parlamentares só estão vendo o interesse das empresas, sem ligar a mínima para a sua segurança e a segurança de sua família. (LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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