A César o que é de César

By | 10/04/2021 9:19 am

O plenário do STF rejeitou a tentativa de transformar um julgamento jurídico em debate religioso e palanque político

(Editorial do jornal O Estado de S. Paulo)

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tentativa de transformar um julgamento jurídico em debate religioso e palanque político. Por 9 votos a 2, os ministros entenderam que o Estado de São Paulo pode restringir temporariamente a realização de atividades religiosas coletivas presenciais, como medida de enfrentamento da pandemia de covid-19.

Proposta pelo Partido Social Democrático (PSD), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 811 postulava que o Decreto 65.563/2021 – que, entre outras medidas emergenciais, vetou “a realização de cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo” – violava a liberdade religiosa.

Em sua manifestação, o advogado-geral da União, André Mendonça, recorreu à Bíblia e à sua compreensão do que é o cristianismo. “Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismo sem a casa de Deus, sem o dia do Senhor. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”, disse.

A agravar a confusão, o próprio Ministério Público Federal aderiu à tese de que não seria possível proibir celebrações religiosas durante a pandemia. Segundo o procurador-geral da República, Augusto Aras, medidas restritivas ofenderiam “o núcleo essencial do direito fundamental ao livre exercício dos cultos religiosos”.

A argumentação é inteiramente descabida. Assim como outras medidas restritivas adotadas por governadores e prefeitos em todo o País, o decreto do governo do Estado de São Paulo não priva ninguém de sua liberdade religiosa. A ninguém foi imposto determinado credo, como também ninguém foi impedido de professar sua fé. A liberdade religiosa permanece intacta.

Por mais fervorosos que tenham sido os discursos de André Mendonça e de Augusto Aras – numa demonstração de especial temor ao Palácio do Planalto –, na ADPF 811 não estava em discussão a liberdade religiosa, e sim se atividades religiosas devem se submeter às regras gerais estabelecidas pelo poder público. A rigor, num Estado Democrático de Direito, tal questão está definida por princípio, tal como exige a laicidade.

Todas as pessoas, físicas ou jurídicas, devem respeitar a lei e as normas vigentes. Não há ninguém acima da lei. Por isso, também as igrejas devem obedecer às regras relativas ao enfrentamento da pandemia, assim como devem cumprir a legislação urbanística, tributária e sanitária. Por exemplo, as igrejas devem respeitar os horários de silêncio noturno, da mesma forma que todos os outros estabelecimentos. Tal restrição não é nenhuma violação à liberdade religiosa.

Além do evidente e necessário cuidado com a saúde pública, a decisão do STF faz valer um importantíssimo princípio constitucional, o da igualdade de todos perante a lei. A profissão de uma determinada crença – mesmo tendo uma dimensão comunitária, como a do sr. André Mendonça – não confere um privilégio sobre os demais cidadãos. Todos estão submetidos às mesmas limitações.

Vale notar que a mentalidade de privilégio não se manifesta apenas na oposição às medidas de isolamento social relativas à pandemia de covid-19. Muitas igrejas acham que não precisam pagar os tributos relativos a suas atividades. Segundo revelado pelo Estado, igrejas têm R$ 1,9 bilhão em débitos inscritos na Dívida Ativa da União.

A Constituição proíbe “instituir impostos sobre templos de qualquer culto”, mas há igrejas que se consideram imunes de qualquer obrigação tributária. Por exemplo, entre as dívidas com a União, há casos de não pagamento de contribuição previdenciária e do Imposto de Renda já descontados do salário dos empregados.

Sem diminuir a liberdade de religião e de crença, o Supremo reconhece que os entes federativos têm o poder – a rigor, o dever – de zelar pela saúde da população. As liberdades e garantias fundamentais continuam válidas. O que não cabe é conferir, especialmente em uma pandemia, privilégio a alguns grupos. Todos estão sob as mesmas regras.

 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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