Dinheiro da luta contra a pandemia jogado fora. Vamos apurar na CPI!

By | 12/04/2021 7:31 am

Governo gastou R$ 125 milhões em compras de Tamiflu e pagou até 33% a mais na cápsula

Sem eficácia contra coronavírus, remédio foi incluído por Ministério da Saúde no ‘kit Covid’, com justificativa de reduzir internações por influenza na pandemia

(Vinicius Sassine, na Folha)

O Ministério da Saúde gastou R$ 125 milhões com o Tamiflu, um medicamento que combate os efeitos da gripe e não tem eficácia para a Covid-19. A pasta comprou 28 milhões de cápsulas e pagou até R$ 5,33 por dose, ante R$ 4 antes da pandemia, uma diferença de 33,2%.

A pasta decidiu apostar no medicamento, dentro da estratégia de combate à Covid-19, com o argumento de que a droga seria necessária para evitar superlotação de hospitais por síndromes respiratórias decorrentes do vírus da gripe e do H1N1.

O ministério, então, incluiu o Tamiflu (fosfato de oseltamivir) na nota informativa com orientações para o chamado tratamento precoce. A droga está ao lado de cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina, todas elas sem eficácia para Covid-19.

O Tamiflu, segundo nota informativa do Ministério da Saúde de 30 de julho de 2020, deve ser recomendado para crianças com sintomas leves, moderados e graves, com o propósito de “exclusão de influenza”.

Essa nota, que baliza a recomendação do chamado “kit Covid”, com a cloroquina à frente, substituiu outros dois protocolos do tipo. O primeiro é de maio, e não previa Tamiflu.

Outros protocolos do Ministério da Saúde recomendam o Tamiflu, dentro do contexto de combate à pandemia, para gestantes com gripe e para pacientes com síndromes respiratórias até que um teste aponte infecção pelo novo coronavírus.

Médicos infectologistas ouvidos pela Folha afirmam que o Tamiflu fazia algum sentido, diante de casos de síndromes respiratórias graves e do tempo necessário até confirmação de diagnóstico de Covid-19, somente no começo da pandemia.

As incertezas sobre o vírus causador de síndromes, se influenza ou o novo coronavírus, levavam a esse método, numa tentativa de se reduzir danos.

“Tiramos do protocolo em poucas semanas, no máximo até o comecinho de abril [de 2020]. Começamos a ver rapidamente que os pacientes eram acometidos de Covid-19, que havia diferença em relação a influenza”, afirma Alberto Chebabo, vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

“Em 2020, a circulação de influenza foi baixíssima, por fatores como isolamento, uso de máscaras e o novo coronavírus se tornando predominante”, afirma.

No Ministério da Saúde, a percepção foi outra. A pasta dobrou a aposta no Tamiflu, como mostram documentos obtidos pela Folha, parte deles por meio da Lei de Acesso à Informação.

O financiamento majoritário se deu com recursos públicos emergenciais, destravados por meio de MPs (medidas provisórias) voltadas ao combate à pandemia. Também foram usados recursos originários do SUS.

Antes da pandemia, ainda em 2019, o ministério firmou uma parceria —chamada TED (termo de execução descentralizada)— com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para a produção de 7,2 milhões de cápsulas de tamiflu de 75 mg. O custo unitário decidido ficou em R$ 4. O valor total, em R$ 28,8 milhões.

A maior parte do medicamento foi entregue entre março e setembro de 2020, já num contexto de pandemia. O próprio ministério citou a doença num dos documentos do TED, para justificar o fornecimento.

“A partir de 2020, no contexto da pandemia, houve forte demanda por esse medicamento, pelos entes federados. Assim, ao atuar no tratamento dos casos de síndrome gripal e síndrome respiratória aguda grave causada pela influenza, esse medicamento tem contribuído para evitar o aumento de doenças respiratórias e sobrecarga do sistema de saúde”, afirmou a pasta.

Em maio, o Ministério da Saúde assinou um contrato com a Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos, para a compra de mais 5 milhões de cápsulas do medicamento. O valor individual foi de R$ 5,33, e o custo total de R$ 26,65 milhões.

“O cenário de abastecimento encontrava-se bastante crítico, dado o elevado aumento no consumo”, justificou o ministério. O dinheiro usado foi destravado por uma MP voltada ao combate à Covid-19.

Em julho, a pasta abriu uma terceira frente para a compra de Tamiflu dentro do contexto da pandemia.

Em ofício à Fiocruz e à Farmanguinhos, a unidade da Fiocruz que produz medicamentos e vacinas, o secretário de Ciência e Insumos Estratégicos do ministério, Hélio Angotti Neto, encomendou 2,5 milhões de cápsulas de 30 mg, 2,35 milhões de 45 mg e 11 milhões de 75 mg.

Os preços individuais cobrados foram R$ 2,60, R$ 3,80 e R$ 5, respectivamente. O valor total foi de R$ 70,4 milhões, e também teve origem numa MP assinada pelo presidente Jair Bolsonaro. Um saldo remanescente deveria ser usado na fabricação de cloroquina, conforme o ofício de Angotti.

Em nota, o Ministério da Saúde limitou-se a dizer que o medicamento é indicado para tratamento de síndrome respiratória aguda grave e síndrome gripal causada pelo vírus influenza e que, diante de “risco de desabastecimento da rede”, a pasta fez “uma compra emergencial da Roche e solicitou importação de novos lotes de matéria-prima e antecipação na produção a Farmanguinhos”.

A Fiocruz confirmou à Folha que Farmanguinhos forneceu o quantitativo solicitado, nas três concentrações. “É importante ressaltar que o medicamento é indicado para tratamento de Influenza A (H1N1) em adultos e crianças com idade superior a 1 ano de idade”, disse, em nota.

A Fiocruz também confirmou que houve mais de um pedido em 2020, o que levou a duas aquisições distintas do IFA (insumo farmacêutico ativo) usado na produção. A oscilação de preço decorreu da variação cambial na importação do insumo, segundo a instituição.

A produção do fosfato de oseltamivir não afeta outras fabricações em Farmanguinhos, conforme a Fiocruz. “Estudos publicados até o momento não foram capazes de gerar evidências científicas que comprovem eficácia de fármacos no tratamento da Covid-19”, disse a nota.

“No caso do oseltamivir, o medicamento é indicado para o tratamento de influenza e pode ser utilizado em pacientes com sintomas de síndrome respiratória aguda grave ou síndrome gripal em condições de risco para complicações até que se tenha o diagnóstico da doença, o que pode contribuir para redução de internações por influenza”, finaliza.

Um documento do Ministério da Saúde mostra que um TED com a Fiocruz em 2014 garantiu 23,6 milhões de cápsulas, a um custo individual de R$ 4,35. Uma segunda parceria só foi firmada dois anos depois, em 2016, com mais 20 milhões de cápsulas a R$ 4 cada. O terceiro TED, então, foi assinado somente em 2019.

Em outubro de 2019, o ministério considerava que o consumo médio mensal de tamiflu 45 mg era de 140 mil cápsulas. O almoxarifado da pasta tinha, naquele momento, 624 mil cápsulas do tipo.

Para o vice-presidente da SBI, a continuidade de gastos elevados com o Tamiflu faria sentido se fosse para repor estoques esvaziados nas primeiras semanas da pandemia. “Continuar gastando com um medicamento que não se justificava mais é um absurdo”, diz Chebabo.

A infectologista Eliana Bicudo, consultora da SBI, afirma que também foi abandonando o Tamiflu, diante da rapidez de tomografias e testes para detecção da Covid-19. “Os protocolos do Ministério da Saúde são muito ruins. Eu nem olho aquilo mais.”

O Ministério da Saúde diz ter distribuído até agora na pandemia 22,3 milhões de cápsulas de Tamiflu, que custaram R$ 88,9 milhões.

AS COMPRAS DE TAMIFLU

1) Farmanguinhos, da Fiocruz

Parceria assinada em 2019

Fornecimentos entre dezembro de 2019 e setembro de 2020

7,2 milhões de cápsulas 75 mg

Custo unitário de R$ 4,00

Custo total de R$ 28,8 milhões

2) Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos

Contrato assinado em maio de 2020

Fornecimento até novembro

5 milhões de cápsulas 75 mg

Custo unitário de R$ 5,33

Custo total de R$ 26,65 milhões

3) Farmanguinhos, da Fiocruz

Pedido de produção em julho de 2020

Fornecimento entre agosto e novembro de 2020

2,5 milhões de cápsulas 30 mg

2,35 milhões de cápsulas 45 mg

11 milhões de cápsulas 75 mg

Custos unitários de R$ 2,60, R$ 3,80 e R$ 5,00

Custo total de R$ 70,4 milhões

 

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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