Ameaçar é crime

By | 14/04/2021 3:36 pm

Não basta que Jair Bolsonaro se preocupe com eventual responsabilização por crimes de responsabilidade. Suas ações o aproximam perigosamente da esfera penal

(Editorial do jornal O Estado de S. Paulo)

O presidente Jair Bolsonaro gosta de falar de liberdade. Em seus discursos, coloca-se como uma espécie de paladino da liberdade. No entanto, sua atuação na Presidência da República revela profundo desconhecimento do assunto. Em especial, parece ignorar o Capítulo VI do Código Penal, que trata dos crimes contra a liberdade individual.

O Capítulo VI começa com o crime de constrangimento ilegal. “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. Pena: detenção, de três meses a um ano, ou multa” (art. 146 do Código Penal).

Em agosto do ano passado, um repórter do jornal O Globo, no exercício de sua profissão, fez uma pergunta ao presidente Jair Bolsonaro. Questionou-o sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz à primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ao jornalista – que apenas fez o que a lei, com toda certeza, lhe permite fazer – Jair Bolsonaro respondeu: “Vontade de encher tua boca de porrada”.

O episódio do ano passado não foi a primeira vez, tampouco a última, que o presidente Jair Bolsonaro constrangeu um jornalista no exercício de sua profissão.

A ameaça é o segundo crime previsto no Capítulo VI do Código Penal. “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa” (art. 147).

Em conversa com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o presidente Jair Bolsonaro transmitiu o seguinte recado ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP): “Se você não participa (da CPI da pandemia), daí a canalhada lá do Randolfe Rodrigues vai participar. E vai começar a encher o saco. Daí, vou ter que sair na porrada com um bosta desse”.

Ao divulgar o áudio da conversa com Jair Bolsonaro, o senador Jorge Kajuru relatou que o presidente da República estava ciente da gravação do diálogo e de sua posterior divulgação. Ou seja, Jair Bolsonaro conhecia o exato significado de tornar pública sua disposição de “sair na porrada” com o senador Randolfe Rodrigues.

Na mesma conversa, Jair Bolsonaro buscou ainda constranger e ameaçar integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), instigando o senador Jorge Kajuru a apresentar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. Na estranha e ilegal lógica de Bolsonaro, isso seria “fazer do limão uma limonada”.

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros do STF) também”, disse Jair Bolsonaro ao senador Jorge Kajuru. Tudo isso porque o presidente Bolsonaro não gostou da decisão do ministro Luís Roberto Barroso de assegurar o direito constitucional da minoria de instalar uma CPI.

Desde abril deste ano, com a entrada em vigor da Lei 14.132/2021, o terceiro crime do Capítulo VI do Código Penal refere-se à perseguição. “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena: reclusão, de seis meses a dois anos, e multa” (art. 147-A).

Ainda que seja novo, esse tipo penal também merece a atenção do presidente da República. Não seria difícil enquadrar seu reiterado comportamento em relação a alguns políticos da oposição dentro dessa moldura legal.

Vale notar que a imunidade presidencial prevista na Constituição refere-se apenas a ações anteriores ao mandato. O que o presidente da República faz na posse do cargo é passível de ser enquadrado penalmente.

Não basta, portanto, que Jair Bolsonaro se preocupe com eventual responsabilização por crimes de responsabilidade. Suas ações o aproximam perigosamente da esfera penal. Isso ocorre porque, sob o eufemismo do “gosto pelo conflito”, Bolsonaro pratica atos tipificados no Código Penal. Num Estado Democrático de Direito, ameaçar é crime.

 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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