(Daniel Weterman e Camila Turtell, no Estadão com comentário nosso)
A sanção do Orçamento de 2021 com uma engenharia para fechar as contas é vista nos bastidores do Congresso como uma vitória do Centrão, bloco de partidos que apoiam o governo em troca de verbas e cargos, e uma derrota para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Nenhuma das duas alas, porém, saiu totalmente satisfeita.
Fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast apontam que as verbas de interesse direto dos caciques partidários foram preservadas após um cabo de guerra entre a cúpula do Congresso, que pressionava pela sanção integral do projeto, e Guedes, que queria vetar todas as emendas de relator.
O presidente Jair Bolsonaro vetou um total de R$ 19,8 bilhões em verbas, dos quais R$ 11,9 bilhões eram fruto de emendas parlamentares – recursos que os deputados e senadores indicam para suas bases eleitorais. Além disso, o presidente anunciou um bloqueio de R$ 9,3 bilhões em despesas do Executivo e enviou um novo projeto de lei para recompor os gastos obrigatórios. Mesmo com os cortes, as emendas ainda ficaram em um patamar de R$ 35,5 bilhões, semelhante ao valor autorizado em 2020, ano de eleições municipais.
O ministro da Economia chegou a defender inicialmente um veto em todas as emendas indicadas pelo relator do Orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC), um total de R$ 29 bilhões. A cúpula do Legislativo reagiu e pressionava pela sanção integral, mas, no final das contas, recuou e aceitou a preservação de R$ 18,5 bilhões dessas indicações, dos quais R$ 16,5 bilhões são considerados “emendas-chave” para atender aos caciques políticos da Câmara e do Senado. É o valor que tinha sido combinado com o Congresso para a aprovação da PEC emergencial, que garantiu mais uma rodada do auxílio a vulneráveis em 2021.
Nos bastidores, o fato de Bolsonaro não atender a um pedido de Guedes em um veto presidencial chamou a atenção. Inicialmente, o ministro pedia veto integral nas emendas de relator e aceitou a preservação de parte dessas verbas em troca de cortes maiores em despesas discricionárias, aquelas geridas diretamente pelo Executivo, como custeio e investimentos. A solução, porém, é questionada por parlamentares e técnicos, que veem risco de paralisia no funcionamento da máquina federal.
Em ocasiões anteriores, a estratégia de Bolsonaro foi diferente: o presidente ouvia Guedes, vetava medidas aprovadas pelo Congresso e depois liberava a base de apoio no Legislativo para derrubar os próprios vetos. Foi o que aconteceu, por exemplo, na prorrogação da desoneração da folha salarial e no perdão tributário a igrejas. Além disso, o ministro saiu do processo criticado por parlamentares que lideram as articulações para a aprovação do Orçamento em função dos ruídos e dos ataques feitos nos bastidores.
“Tudo isso mostra a fragilidade do governo, que se rende a uma situação dessa natureza. O governo está na palma da mão do Centrão. Se o Centrão virar a palma da mão para baixo, o governo cai”, afirmou o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Otto Alencar (PSD-BA). “Guedes tem suportado no cargo, mas a insegurança que o presidente dá para os ministros do governo é fora da razão.”
O Ministério do Desenvolvimento Regional, chefiado pelo ministro Rogério Marinho e considerado um ativo eleitoral de Bolsonaro, foi o que mais perdeu nos cortes, mas ainda assim manteve uma verba de obras considerável para negociar com os parlamentares ao longo do ano. De uma projeção inicial de R$ 9 bilhões, saiu com um orçamento de quase R$ 15 bilhões. Cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado mostram o tamanho do veto dentro dessa pasta: R$ 5,5 bilhões em emendas de relator e R$ 2,7 bilhões em verbas discricionárias, sob controle direto da pasta de Marinho.
Em meio à sinalização de vetos, Câmara e Senado se uniram para preservar pelo menos as emendas de maior interesse. “Faltou habilidade do Ministério de Economia para acompanhar o processo mais de perto desde o início. Independentemente com quem tenha sido fechado, o acordo tem que ser cumprido”, afirmou o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF). “Os vetos de Bolsonaro não resolvem todo o problema do Orçamento. Agora, vai acontecer o que tanto avisamos. Bolsonaro fica nas mãos do Centrão, de quem precisará do apoio para manter os vetos e aprovar os projetos necessários”, afirmou o líder do Novo na Câmara, Vinicius Poit (SP).
Da base do governo, o deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP) acredita que o governo fez o que era necessário e que poderá ir ajustando a peça ao longo do ano. “Estamos caminhando em busca do êxito. Hoje quem está ganhando? Ninguém. E o País precisa ganhar e só vamos ganhar se nós não nos digladiarmos e juntarmos forças”, disse. Ele afirma ainda que Guedes teria “entendido a conjuntura política” e aceitado a decisão de Bolsonaro. “Guedes, eu tenho certeza de que ele entendeu perfeitamente porque ele é um baita técnico, uma pessoa que entende muito do setor dele e há de compreender essa conjuntura política necessária para se alcançar o objetivo”.
Nossa opinião
- Bolsonaro passou 28 anos flanando na Câmara dos Deputados, como um ilustre desconhecido sem aprender as malandragens da política. Resultado, agora o Centrão “botou ele no bolso”, na questão do orçamento. Deputados e senadores garantiram para si vinte bilhões de reais em emendas que destinarão para seus redutos eleitorais para garantir a própria reeleição em 2022. E Bolsonaro ficou com as mãos amarradas talvez sem dinheiro para muitas das despesas que será obrigado pagar este ano. Os deputados e senadores se garantiram, mas Bolsonaro ficou na mão dos malandros do Congresso. Além da questão do orçamento ainda tem que lidar com a CPI da pandemia, onde os senadores também poderão fazer “gato e sapato” com ele. Quem escapar da COVID verá. E eu espero também estar vivo para conferir. (LGLM)