Por seu gosto pelo ócio e sua inapetência para governar, Jair Bolsonaro, indolente, deixa seu reino – e o País – à mercê dos oportunistas de sempre
25 de abril de 2021 | 03h00
Ao contrário do que pode parecer, Bolsonaro demorou até o último dia do prazo legal para a sanção não porque se debatesse em dúvidas entre a prudência e a gastança – o presidente jamais foi um defensor da austeridade –, mas porque dependia da articulação de um acordo que não desagradasse aos chefes do Centrão – hoje senhores de seu governo – e ao mesmo tempo afastasse a sombra do crime de responsabilidade.
A exequibilidade do Orçamento era preocupação secundária para Bolsonaro; a primária sempre foi manter-se no cargo e reunir condições políticas para sua reeleição. Por esse motivo, Bolsonaro permitiu que o Centrão se apoderasse do Orçamento, de tal modo que nem as despesas obrigatórias ficaram a salvo do apetite desses parlamentares.
Como se sabe, as negociações do governo com o Congresso resultaram num Orçamento em que as despesas obrigatórias sofreram cortes para acomodar emendas parlamentares, uma aberração inédita. O relator do Orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC), declarou ter feito a manobra com a anuência do ministro da Economia, Paulo Guedes, para satisfazer inclusive os pedidos de ministros interessados em driblar as restrições impostas pelo teto de gastos.
O ruído estremeceu a relação entre o governo e o Centrão. A solução encontrada, depois de atabalhoada negociação, é condizente com um governo incapaz de articular uma estratégia que vá além do necessário para a sobrevivência política do presidente Bolsonaro.
Na sanção, Bolsonaro cortou R$ 11,9 bilhões justamente nas emendas parlamentares que atenderiam a pedidos de ministros para tocar obras. Além disso, cortou R$ 7,9 bilhões nas despesas discricionárias do governo. Por fim, o presidente bloqueou mais R$ 9 bilhões em emendas parlamentares – mas, neste caso, o dinheiro pode ser liberado no futuro, caso haja espaço fiscal.
Nas contas do Ministério da Economia, a soma desses vetos deverá ser suficiente para honrar as despesas obrigatórias, que haviam sido criminosamente reduzidas na irresponsável negociação do Orçamento. Ao menos por ora, o pagamento integral das aposentadorias está garantido.
O mesmo não se pode dizer do funcionamento em geral da máquina pública. O teto de gastos foi respeitado, mas ainda há considerável risco de shutdown, situação em que serviços essenciais prestados pelo Estado são suspensos por falta de dinheiro.
“Todo mundo vai pagar um pouco a conta disso aí”, disse o presidente Bolsonaro. Antes fosse assim. Os deputados continuarão a ter ampla margem para obter recursos para patrocinar obras em seus redutos eleitorais, mesmo diante da penúria.
E no Orçamento de 2022, conforme o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias encaminhado pelo governo, estão previstos subsídios, isenções e desonerações da ordem de R$ 365,2 bilhões, um aumento de 4,02% em relação ao projetado no Orçamento deste ano. A alta contraria o compromisso do governo, assumido na PEC Emergencial, de reduzir os gastos tributários que atendem a lobbies de todo tipo.
Isso é fruto do escandaloso descaso do governo com a coisa pública, o que deixa os espertalhões à vontade. Não à toa, na segunda-feira passada o Congresso, sem a menor cerimônia e sem ser incomodado pelo Executivo, derrubou um veto presidencial de 2009 que impedia a migração de 1.800 servidores da antiga Secretaria de Receita Previdenciária para a carreira de analista tributário da Receita Federal, sem concurso. A manobra, que permitirá um substancial aumento salarial para esses servidores a despeito do congelamento determinado por lei em 2020, custará R$ 2,8 bilhões ao Tesouro apenas neste ano.
Assim como os decadentes reis merovíngios, chamados de rois fainéants (reis preguiçosos) por seu gosto pelo ócio e sua inapetência para governar, Bolsonaro, indolente, deixa seu reino – e o País – à mercê dos oportunistas de sempre.