Com atrasos e desinformação, mais de 100 mil brasileiros morrem em 37 dias; ritmo de óbitos dobrou em 2021
Sob a premência dos números e com a pressão de uma CPI para investigar sua gestão da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem sido aconselhado a atenuar seu discurso a respeito da maior crise sanitária em cem anos.
As frases de Bolsonaro coincidem com a escalada de mortes, e, com as falhas de gestão em todos os níveis e o fatalismo de parte da população, ajudam a explicar por que o Brasil virou preocupação mundial na pandemia.
Colapsos simultâneos dos sistemas de saúde pelo país já ocorrem, com falta de insumos que vão de oxigênio a medicação para intubação. Acelerar a vacinação, com as encomendas de vacinas tardiamente fechadas e as entregas frequentemente atrasadas, ainda não é uma realidade.
Três ministros da Saúde tentaram conduzir a crise: dois deles —Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich— saíram do posto por divergências com Bolsonaro. O terceiro, o general do Exército Eduardo Pazuello, mais alinhado ao presidente, ficou quase um ano no cargo. Saiu pela má gestão e como um dos investigados na CPI da Covid-19.
Cabe agora ao médico paraibano Marcelo Queiroga, o quarto ministro, conter a múltipla crise. Com discurso mais modulado, em que reafirma seu apreço à ciência, Queiroga ainda não promoveu grandes mudanças na gestão da pandemia.
O país, em nenhum momento, conseguiu algum grau duradouro de controle sobre a doença. Mesmo ao pairar em patamares mais baixos, como de setembro a novembro de 2020, com médias móveis de mortes variando acima de 300 óbitos por dia, o Brasil registrava, em média, mais de 20 mil casos diários.
O rastreamento e isolamento de casos da doença (e de suspeitos), pilares para o controle e preconizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) desde o início, nunca foram colocados em prática no Brasil. Até mesmo a testagem para diagnóstico continua pouco acessível para muitos, segundo especialistas.
Em parte, de acordo com pesquisadores, a maior letalidade se deve às novas variantes do Sars-CoV-2, com maior potencial de infecção e, consequentemente, com disseminação mais rápida. Uma delas é a P.1, identificada inicialmente em Manaus, capital que acabou servindo como sentinela para a gravidade das duas ondas —até aqui— da pandemia.
Somam-se a isso as ações ou a demora em agir do governo Bolsonaro. “Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem que deixar de ser um país de maricas”, disse ele, no dia em que o país registrava mais de 162 mil mortes, em novembro de 2020.
Não bastassem as palavras e as indicações incorretas, o presidente constantemente desrespeitou regras sanitárias básicas, ao não usar máscara e promover e incentivar aglomerações com apoiadores. Algo, aliás, que continua a fazer.
Por fim, enquanto o mundo corria por vacinas, o governo brasileiro recusava ofertas de doses que poderiam ter começado a ser aplicadas ainda em 2020.
O presidente continua se recusando a ser inoculado, afirmando que só tomará a vacina após todos os brasileiros estarem imunizados. “Eu sou chefe de Estado, tenho que dar exemplo. O meu exemplo é este: já que não tem para todo mundo ainda, o mundo todo não tem vacina ainda, tome na minha frente”, disse.
Nos bastidores, o assunto ainda é tratado com cuidados. O ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, afirmou, sem saber que estava sendo gravado, que tomou escondido a vacina contra a Covid e que tenta convencer Bolsonaro a se vacinar.
“Tomei escondido, né, porque a orientação era para não criar caso, mas vazou. Eu não tenho vergonha, não. Tomei e vou ser sincero” afirmou Ramos. “Como qualquer ser humano, eu quero viver, pô. E se a ciência está dizendo que é a vacina, como eu posso me contrapor?”