Morticínio policial no Rio é mais um exemplo da estupidez da guerra às drogas
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Se há êxitos dignos de nota em algumas ações baseadas na boa técnica investigativa e no uso da inteligência, o que se verifica há décadas em grandes centros urbanos é a prevalência da lógica de guerra entre a polícia e quadrilhas armadas que atuam na ponta da venda de entorpecentes em bairros vulneráveis e abandonados pelo Estado.
No caso desta quinta (6), tratava-se oficialmente de desbaratar o aliciamento de menores por um grupo de narcotraficantes. Além do saldo de 28 mortos, entre os quais um policial, e de relatos de abusos contra moradores, cabe perguntar qual foi o resultado alcançado.
Lá se vão quase duas décadas do lançamento do filme “Cidade de Deus”, que retratava a já então conhecida participação de crianças e adolescentes no mundo do crime. Em que as constantes invasões de favelas por policiais e as ocupações pelo Exército contribuíram para modificar essa realidade?
Não se retiram menores das mãos do tráfico à bala. É preciso implantar políticas de promoção social, de redução de desigualdades e de pacificação —objetivos que até foram perseguidos há alguns anos pelas UPPs, mas que se perderam.
É necessário ainda, como tem defendido esta Folha, que a sociedade encare com maturidade o debate sobre a legalização criteriosa de substâncias hoje ilícitas.
É abominável que representantes da polícia, do governo fluminense e da própria Presidência da República tenham se apressado em justificar o ocorrido com argumentos do tipo “tudo bandido” —para citar o que disse o vice-presidente, general Hamilton Mourão.
Os detalhes da atuação policial no Jacarezinho precisam ser apurados e cabe ao Supremo Tribunal Federal examinar o quanto antes a petição protocolada pelo Núcleo de Assessoria Jurídica vinculado à UFRJ que aponta descumprimento de restrição a operações na favela. Chega de barbárie.