Ministro reformulou proposta e articulou lei que originou a emenda do relator; mecanismo foi usado pelo governo Bolsonaro para distribuir R$ 3 bi a parlamentares aliados
O atual ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, participou diretamente da articulação e criação do orçamento secreto para favorecer políticos aliados do governo, o chamado “tratoraço”. Braço direito de Jair Bolsonaro, Ramos era chefe da Secretaria de Governo quando reformulou uma proposta antes barrada pelo presidente para criar uma emenda de relator-geral usada pela equipe para distribuir R$ 3 bilhões e conquistar o controle do Congresso.
Em sua sala no quarto andar do Palácio do Planalto, um nível acima do gabinete do presidente, Ramos resgatou um mecanismo incluído pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas que havia sido vetado por Bolsonaro. Assim, em 3 de dezembro de 2019, o ministro assinou sozinho o projeto de lei que criou a emenda chamada RP9. É um caso atípico, pois propostas sobre orçamento costumam passar pelo crivo do Ministério da Economia.
Desde que o Estadão revelou o orçamento secreto, Bolsonaro tem negado a existência do esquema. O presidente chegou a chamar os jornalistas do Estadão de “idiotas” e “jumentos” por noticiar o caso, batizado de “tratoraço” nas redes sociais por envolver compras de máquinas a preços até 259% acima da tabela de referência do governo. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, sustenta que “é de conhecimento de qualquer jornalista que acompanhe minimamente o noticiário em Brasília que a RP9 foi iniciativa do Congresso”. Os documentos contradizem essa versão.
A operação de Ramos ocorreu três semanas após Bolsonaro vetar a tentativa do Congresso de criar a RP9. A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tinha convencido o presidente de que a nova emenda engessaria o governo, pois impactava o cálculo do resultado primário, afetando a meta fiscal. Mas, quando Ramos ressuscitou a proposta, Bolsonaro trocou as justificativas técnicas que usou para barrar a medida pela criação de um orçamento que lhe permitira escolher quais parlamentares seriam beneficiados com bilhões de reais.
No mesmo projeto enviado ao Congresso, o general da reserva chegou a incluir no texto um artigo, o 64-A, que dava ao Congresso o direito de indicar o que deveria ser feito com o dinheiro. Nesse caso, porém, Bolsonaro novamente impediu a iniciativa por contrariar o “interesse público” e “fomentar o cunho personalístico” das indicações. O Congresso não derrubou esse veto. Dessa forma, tornou irregular o toma lá, dá cá que veio a fazer mais tarde.
Agora na Casa Civil, Ramos é o homem forte do governo no Planalto e mantém influência na articulação política. Em fevereiro, com o orçamento secreto, ele garantiu as vitórias dos aliados Arthur Lira (Progressistas-AL), na Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado.
Procurado pelo Estadão, o ministro desconsiderou ter assinado o projeto e repetiu que “a iniciativa da criação da RP9 foi da Comissão de Orçamento do Congresso”. Toda negociação dos parlamentares para divisão do dinheiro da RP9 foi feita no gabinete da Secretaria de Governo, pasta que Ramos comandava quando assinou o texto.
Riscos
Em ao menos duas reuniões no gabinete do general, no fim de 2019, técnicos previram que o esquema para aumentar a base de apoio de Bolsonaro poderia resultar no primeiro grande escândalo do seu mandato. Na ocasião, tentaram dissuadir o Planalto de vetar a possibilidade de os congressistas imporem os bilhões da emenda RP9.
Segundo um dos presentes, o braço direito do ministro, Jonathas Assunção de Castro, foi alertado de que as negociações para divisão do dinheiro já estavam em curso e o veto tornaria essa operação ilegal. Nessa queda de braço, porém, quem ganhou foi a equipe econômica, para quem dar ao Congresso o direito de também definir como aplicar R$ 20 bilhões de RP9 transformaria Bolsonaro em “rainha da Inglaterra”.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União investiga se, ao ignorar seu veto, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade por “atentar contra a lei orçamentária, nos termos do art. 85, inciso VI, da Constituição Federal”.