‘Brasil é governado por grupo que milita contra a verdade’

By | 22/05/2021 9:42 am

A banalidade da mentira

A CPI está sendo útil para que os brasileiros se convençam de que estão sendo governados por um grupo político que milita ferozmente contra a verdade

Notas & Informações, Editorial dO Estado de S. Paulo, 22 de maio de 2021

O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello mentiu várias vezes em seu depoimento à CPI da Pandemia. Em dois dias de oitiva, o general intendente, mesmo estando sob juramento, inventou respostas para questões sobre os mais variados temas – o relator da comissão, senador Renan Calheiros, apontou nada menos que 14 ocasiões em que Pazuello “mentiu flagrantemente” e “ousou negar suas próprias declarações”.

O repertório de imposturas é vasto. As mais relevantes dizem respeito à negociação para a compra de vacinas. O ex-ministro negou o que está fartamente documentado – que o governo ignorou ou boicotou diversas ofertas de imunizantes.

Pazuello chegou a dizer que o presidente Jair Bolsonaro “nunca” lhe deu ordem para interromper as conversas com o Butantan para a aquisição da Coronavac, fabricada pelo instituto paulista em parceria com a China. Confrontado com a lembrança de que Bolsonaro publicamente, e de maneira enfática, disse que jamais compraria a “vacina chinesa”, o ex-ministro teve a ousadia de argumentar que essa declaração do presidente não constituía uma ordem para cancelar a compra da Coronavac, e sim apenas uma “posição do agente político (Bolsonaro) na internet”.

Aos fatos. A primeira proposta do Butantan ao governo federal foi feita em julho do ano passado. Somente no dia 19 de outubro, o Ministério da Saúde assinou com o instituto um protocolo de intenções para adquirir 46 milhões de doses da Coronavac. O entendimento foi anunciado numa reunião de Pazuello com governadores no dia seguinte. Ato contínuo, Bolsonaro informou que havia mandado cancelar o protocolo: “Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”. Depois, gravou um vídeo com Pazuello em que o intendente declarou sobre o assunto: “Um manda, o outro obedece”. Mais claro, impossível.

Pazuello ofendeu a inteligência alheia a respeito de diversos outros temas, do desabastecimento de oxigênio em Manaus que resultou em muitas mortes até a campanha irresponsável pelo uso de remédios sem eficácia. O ex-ministro tinha um habeas corpus para se manter calado, de modo a não produzir provas contra si mesmo, mas aparentemente preferiu mentir o tempo todo, produzindo inúmeras provas de que a mendacidade é o que melhor traduz o governo Bolsonaro.

Isso já havia ficado evidente no depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo, quando ele teve a coragem de negar que ajudou a criar inúmeras rusgas com a China – nosso principal parceiro comercial e origem dos insumos para a fabricação da vacina responsável por 80% da imunização no Brasil até este momento. A senadora Kátia Abreu chamou Araújo, muito apropriadamente, de “negacionista compulsivo”.

Assim, a CPI está sendo extremamente útil para que os brasileiros afinal se convençam de que estão sendo governados não apenas por mitômanos, mas por um grupo político que milita ferozmente contra a verdade. A mentira não é acidental ou circunstancial. Não é contada para escapar de situações constrangedoras ou para enganar eleitores na disputa por votos. É a essência da estratégia bolsonarista de destruição dos alicerces da democracia.

Não é possível alcançar consensos democráticos e formular políticas públicas realistas num ambiente em que o embuste é a norma e quando o debate público é travado com base em mentiras escandalosas produzidas por quem tem máxima autoridade política, como o presidente da República e seus ministros. Como informou singelamente o próprio ex-ministro Pazuello, as palavras do presidente Bolsonaro ditas em público são apenas “coisa de internet” – portanto, não devem ser levadas a sério.

Ou seja, a Presidência é ocupada hoje por um animador de auditório, que, de novo segundo o intendente Pazuello, “diz o que vem à cabeça”, para êxtase de seus fanáticos seguidores. E, ao contrário de ser cômico, esse comportamento é trágico. O quase meio milhão de mortos pela pandemia e a indiferença de parte da sociedade com a perda de 2 mil vidas por dia são o resultado da progressiva desmoralização da verdade.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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