(Vera Rosa, Pedro Venceslau, Paula Reverbel e Lauriberto Pompeu, O Estado de S. Paulo, 21 de maio de 2021, com comentário nosso)
Encontro entre os dois ‘ajuda a derrotar Bolsonaro, mas não faz bem a um potencial candidato do PSDB’, diz o presidente Bruno Araújo; ‘Reafirmo, para evitar más interpretações: PSDB deve lançar candidato e o apoiarei’, tuitou FHC
Em campos opostos da política desde a década de 1990, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) almoçaram juntos, no último dia 12, em São Paulo, na casa do ex-ministro Nelson Jobim, amigo dos dois. O encontro, promovido por Jobim e tornado público ontem, ocorreu após Fernando Henrique dizer que, num eventual segundo turno entre o presidente Jair Bolsonaro e Lula, na eleição de 2022, não teria dúvida em votar no petista.
A aproximação incomodou o PSDB, no momento em que tucanos organizam prévias para a escolha do concorrente à Presidência, e causou preocupação no Palácio do Planalto. Diante das dificuldades para a construção da chamada terceira via, Lula se apresenta como um candidato moderado, que deseja atrair o centro político, faz acenos à direita e tenta quebrar resistências no empresariado.
A ideia do PT é criar uma frente que reúna vários partidos e setores da sociedade contra Bolsonaro. Na conversa de três horas, Lula e FHC abordaram a gravidade da crise provocada pelo coronavírus, que resultou na CPI da Covid no Senado, o “descaso do governo no enfrentamento da pandemia” – frase usada pelo petista – e os problemas na seara econômica.
“A convite do ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reuniram para um almoço com muita democracia no cardápio”, postou Lula nas redes sociais, referindo-se a ele mesmo na terceira pessoa. A foto mostra que os dois ex-presidentes usavam máscara de proteção.
O Estadão apurou que o momento de divulgar o encontro e até o texto postado nas mídias digitais foram combinados entre FHC e Lula. A reunião estava sendo articulada há mais de um mês e foi considerada “amistosa” pelas duas partes. Na terça-feira, 18, seis dias depois do encontro, FHC classificou Lula como “um democrata”, em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo. Ao jornal Valor Econômico, no dia 14, e à Rádio Eldorado, nesta semana, FHC reiterou a disposição de votar em Lula, caso ele dispute o segundo turno contra Bolsonaro.
“Continuo buscando uma terceira via entre Bolsonaro e Lula. Se possível, no PSDB. Se essa não acontecer, não vou deixar meu voto em branco”, disse FHC à Coluna Direto da Fonte.
Sinais trocados
A reunião na casa de Jobim foi criticada pela cúpula do PSDB. O partido tem quatro pré-candidatos à sucessão de Bolsonaro: os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. As prévias para escolher quem representará a sigla estão marcadas para 17 de outubro, mas há um movimento para adiá-las.
“Esse encontro ajuda a derrotar Bolsonaro, mas não faz bem a um potencial candidato do PSDB. Nossa característica é saber dialogar, inclusive com adversários políticos”, avaliou o presidente do PSDB, Bruno Araújo. “De toda forma, precisamos evitar sinais trocados a nossos eleitores. O partido segue firme na construção de uma candidatura distante dos extremos que se estabeleceram na democracia brasileira.”
Sem citar os ex-presidentes, Bolsonaro aproveitou uma cerimônia no Maranhão, ontem, para dirigir xingamentos aos rivais. “Falando em política, para o ano que vem já tem uma chapa formada: um ladrão candidato a presidente e um vagabundo como vice”, afirmou ele. “Só mesmo Bolsonaro é incapaz de aceitar que dois ex-presidentes podem conversar civilizadamente sobre os graves problemas do país”, rebateu a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Adversários, mas não inimigos, FHC e Lula vinham se estranhando há tempos. O tucano nunca perdoou o petista por dizer que encontrou uma “herança maldita” quando assumiu a Presidência, em 2003. Lula, por sua vez, nunca se conformou com o fato de o PSDB ter apoiado o impeachment da então presidente Dilma Rousseff e de FHC não ter saído em sua defesa quando ele foi alvo da Lava Jato.
Desde que o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações impostas a Lula, interlocutores do PSDB e do PT tentam aproximar os dois líderes, sob o argumento de que é preciso construir um campo de “democratas” para enfrentar Bolsonaro. Um dos entusiastas da ideia é justamente Jobim, ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Justiça no governo de FHC, além de ter sido titular da Defesa nas gestões de Lula e Dilma.
“Conversar com todos é premissa de quem deseja o fim do ‘nós contra eles’, algo que foi, inclusive, muito incentivado pelo PT, mas eu não aceito que o Brasil ande para trás. Confio que o ex-presidente Fernando Henrique também não”, observou Eduardo Leite. Aliados de Doria disseram ao Estadão que ele ficou aborrecido ao saber do encontro. O governador de São Paulo, porém, não quis se manifestar.
“Nossa principal missão hoje, talvez a mais importante, é parar o clima de ódio nesse País. O diálogo e a aceitação da divergência devem ser permanentes. Entendo o gesto do ex-presidente Fernando Henrique nessa direção”, destacou Tasso Jereissati. Arthur Virgílio foi na mesma linha. “Achei uma tempestade em copo d’água essa polêmica toda. Política a gente faz com calma, frieza e a objetividade de chegar ao poder. O partido tem de se encontrar”, insistiu Virgílio.
O simbolismo do gesto dos dois ex-presidentes dividiu os tucanos . Na avaliação do ex-chanceler Aloyzio Nunes Ferreira, o movimento foi acertado. “Já estava na hora de começar a quebrar o gelo acumulado ao longo dos últimos anos entre democratas de todos os matizes para fazer frente à barbárie bolsonarista e construir uma plataforma comum em defesa da democracia, do meio ambiente e da inclusão social”, argumentou Aloyzio.
Na outra ponta, o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, integrante da Executiva Nacional do PSDB, classificou como “trágica” a declaração feita por Fernando Henrique. “Antecipar seu voto no segundo turno mostra que ele não tem compromisso com o PSDB”, protestou.
Para o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), um dos articuladores da terceira via, o encontro entre FHC e Lula reflete a “falta de clareza” do PSDB. “Mas a visão de país do Fernando Henrique não é de quem vai para esses polos populistas”, ressalvou Mandetta, que conversou com o tucano recentemente. “Acho que isso foi um recado para o Doria.”
Desafeto do governador de São Paulo, o deputado Aécio Neves (MG) disse que o PSDB está cada vez mais “em busca” de um reforço ao centro para a corrida de 2022. “Há sinais claros de que o senador Tasso começa realmente a considerar uma candidatura. Lula nunca foi, e não acredito que será, uma opção para o PSDB”, constatou. Mesmo assim, Aécio saiu em defesa de FHC. “O presidente Fernando Henrique, aos 90 anos, tem o direito de almoçar, jantar e tomar seu vinhozinho com quem ele escolher”.
Nossa opinião
- Fernando Henrique Cardoso tem razão. Os eleitores de Centro têm que tentar construir uma terceira via, mas só Deus sabe se esta terceira via será um candidato tão competitivo que garanta a ida para o segundo turno. Se um candidato de Centro não conseguir ir para o segundo turno os eleitores centristas tem que ter uma alternativa para impedir a continuidade do descalabro administrativo que estamos vivendo. E FHC entende que Lula é muito melhor para o Brasil do que Bolsonaro. Eu não vejo a volta de Lula com bons olhos, até por que nas eleições de 2018 votei no primeiro turno em Ciro Gomes, e no segundo turno votei em Haddad por que não engolia a candidatura do capitão um inexpressivo deputado por vinte e oito anos, sem apresentar nada de bom e com “ideias de jerico”. Lula é muito menos ruim do que ele. A CPI está mostrando o descalabro que tem sido a administração do capitão. E muita coisa ruim ainda está aparecendo em paralelo com a CPI. (LGLM)