Política não é sinônimo de crime

By | 31/05/2021 7:53 am

‘O fato narrado, evidentemente, não constitui crime’, lembrou o juiz

[Notas&Informações, (Editorial) O Estado de S. Paulo, 31 de maio de 2021)
O sistema penal deve punir condutas criminosas. Essa é a sua finalidade dentro de um Estado Democrático de Direito, no qual não há espaço para uma polícia política ou para uma Justiça política. O Judiciário aplica a lei.

Essas realidades, que deveriam ser cristalinas em um regime democrático, ficaram um pouco turvas nos últimos anos no País, em função da tentativa de usar a Lava Jato para fins estranhos ao Direito. Pretendeu-se desqualificar toda e qualquer atividade político-partidária, imputando-lhe genericamente um caráter criminoso.

Felizmente, a Justiça não tem sido conivente com essas manobras. Há cada vez mais casos em que se consegue identificar a tempo a tentativa de manipulação. Foi o que se viu em recente decisão da 12.ª Vara Federal do Distrito Federal, relativa a processo penal contra 12 pessoas vinculadas ao MDB; entre elas, Michel Temer, Eduardo Cunha, Eliseu Padilha e Moreira Franco.

Segundo a denúncia apresentada em 2017 pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot, os acusados integravam organização criminosa que teria atuado, desde 2006, em diversos entes e órgãos públicos, como Petrobrás, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura, Secretaria de Aviação Civil e Câmara dos Deputados. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), no período de uma década, o “quadrilhão do MDB” teria operado propinas de mais de R$ 587 milhões.

Ao analisar a denúncia, o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos afirmou que “a inicial acusatória não descreve fatos caracterizadores do ilícito que aponta. (…) A narrativa que encerra não permite concluir, sequer em tese, pela existência de uma associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas, alguma forma de hierarquia e estabilidade”.

Ou seja, não é que o MPF tenha feito uma acusação sem provar. Ele nem sequer descreveu as condutas criminosas que os acusados teriam praticado. Pelo que se vê na denúncia, o crime seria a atuação na vida política do País. “O fato narrado, evidentemente, não constitui crime”, lembrou o juiz.

A denúncia não descreveu os alegados fatos criminosos, mas veio acompanhada de cerca de quatro terabytes de documentos em formato digital. “Esse procedimento evidencia, a um só tempo, abuso do direito de acusar e ausência de justa causa para a acusação. É que, ao somar às irrogações genéricas contidas na denúncia uma quantidade indiscriminada e invencível de documentos, o MPF impede os denunciados de contraditar os fatos e as provas que lhes dão supedâneo”, disse o juiz.

Além de absolver sumariamente todos os réus, o juiz alertou para a desvirtuação do processo criminal. “A denúncia apresentada, em verdade, traduz tentativa de criminalizar a atividade política”, afirmou.

Esse modo de proceder do MPF não causa prejuízo apenas às pessoas denunciadas – que são acusadas de graves crimes, mas não sabem sequer quais seriam as supostas condutas que fundamentam as acusações. “A imputação a dirigentes de partidos políticos do delito de organização criminosa sem os elementos do tipo objetivo e subjetivo provoca efeitos nocivos à democracia, entre os quais pode se mencionar a grave crise de credibilidade e de legitimação do poder político como um todo”, reconheceu o juiz.

Essa atuação do MPF, conduzindo a uma desqualificação da política e dos partidos, é inconstitucional. Como determina a Constituição, a função institucional do MP é a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. E não é demais lembrar que, por previsão expressa dessa mesma Constituição, os partidos são elementos essenciais do sistema democrático. Atuar contra os partidos é atuar contra a democracia representativa.

É preciso investigar os crimes cometidos na atividade política, tanto para punir os responsáveis como para preservar – e não direcionar – o livre funcionamento da política. Só assim o Ministério Público cumprirá sua missão constitucional, sem interferir onde não deve.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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