Distritão ameaça a representatividade
Apenas quatro países o adotam, todos de reduzida tradição democrática
É uma grande ilusão imaginar que a reforma política tem um papel messiânico na solução de todas as crises do país. A democracia, em qualquer modelo, é sempre imperfeita. Uma reforma política, ainda que multidimensional, pode muito menos do que se supõe. É importante reduzir expectativas.
Reconhecida a limitação de toda e qualquer reforma, é necessário evitar que modificações piorem o sistema eleitoral. Com a reforma em pauta no Congresso Nacional, há quem tenha voltado a defender o tal distritão. O modelo é a antítese da reforma necessária. O sistema proporcional merece ser mantido.
O principal problema do modelo de sistema proporcional brasileiro foi corrigido, com o fim das coligações na proporcional. Era uma excrescência, distorcendo o destino da vontade popular (o voto dado ao candidato do partido “A” poderia eleger candidato do partido “B”). No mesmo sentido, a votação nominal mínima acabou com outra disfuncionalidade. Agora é necessário fazer um número mínimo de votos para se eleger. O modelo brasileiro foi adequadamente aperfeiçoado e garante muito bem a proporcionalidade da representação.
A reforma política abre espaço para incrementar o modelo, em múltiplas dimensões. O risco é que também abre espaço para retrocessos. O distritão é a maior ameaça.
O site do International Institute of Democracy mostra que o sistema proporcional, no mundo inteiro, concorre com o voto distrital —puro ou misto. Agora, é importante deixar bem claro que o distritão, apesar da semelhança no nome, não tem parentesco com o distrital. O distritão é o distrital apenas com os defeitos. Um sistema adotado somente em quatro países, todos de reduzida tradição democrática.
É natural que muito reclamem dos partidos, uma instituição em permanente crise de confiança. Não é adequado, no entanto, escolher um sistema que deprecia o papel das legendas. A solução está em reformar o sistema partidário, outra dimensão da reforma. Democracias modernas não funcionam sem partidos políticos. O sistema eleitoral deve fortalecê-los —e não o contrário. O sistema proporcional entrega poder aos partidos; o distritão inverte a lógica, priorizando candidatos desvinculados de um conjunto de ideias.
É indigesta a tarefa de defender o modelo atual. O senso comum está contaminado pela ideia simplificadora de atribuir os problemas da política, sejam quais forem, a um sistema eleitoral inadequado. É um erro. A democracia é assim mesmo: imperfeita. É possível apenas deixá-la mais ou menos imperfeita. E o sistema proporcional é o menos imperfeito entre as opções disponíveis, especialmente se comparado ao tal distritão. É preciso proteger a democracia brasileira desse retrocesso.
Nossa opinião
- Só para resumir. No distritão, em cada município serão eleitos os candidatos mais votados suficientes para preencher as vagas, independente de partido. Em Patos, por exemplo, seriam eleitos os dezessete candidatos mais votados. A mesma coisa no Estado. Seriam eleitos os doze candidatos mais votados para deputado federal e os trinta e seis mais votados para deputado estadual.
- No voto distrital, cada município seria dividido em tantos distritos quantos fossem as vagas de vereador. Patos, por exemplo, seria dividida em dezessete distritos. Em cada distrito seria eleito o mais votado entre os candidatos daquele distrito. O Estado da Paraíba, seria dividido em doze distritos para escolher os deputados estaduais e trinta e seis e seis distritos para eleger os trinta e seis deputados estaduais. Em cada distrito seria eleito deputado aquele que fosse mais votado.
- Finalmente, no voto distrital misto, a metade dos deputados seriam eleitos pelo voto direito, dentro dos distritos correspondentes e a outra metade dos deputados seria eleita como se faz atualmente, pelo sistema proporcional. Cada partido teria que ter votos suficientes para eleger os seus deputados. No exemplo da Paraíba, haveria seis distritos para eleger seis deputados federais distritais e os eleitores votariam num outro candidato que disputaria uma das outras seis vagas, de acordo com a votação de cada partido. Haveria também dezoito distritos para eleger a metade dos deputados estaduais e o eleitor daria um voto para outro candidato a deputado estadual que disputasse em todo o Estado. E os votos dos partidos elegeriam os candidatos para cujas vagas conseguissem o quociente eleitoral. No caso o eleitor teria que votar duas vezes para deputado federal e duas vezes para deputado estadual. Um voto para candidato do distrito e um voto para o candidato à vaga estadual.
- A meu ver, a se querer mudar o atual sistema, a melhor opção é o distrital misto. Isto permitiria que as minorias elegessem os seus representantes entre o candidatos que disputassem as vagas estaduais. Não está claro ainda se o mesmo candidato poderia disputar um vaga distrital e uma vaga estadual.
- Como em termos de reforma eleitoral, tudo pode acontecer, inclusive nada, só esperando para ver. O pior que pode acontecer é a aprovação do distritão. Vamos ficar de olho em quem defender esta alternativa. (LGLM)