Putrefação moral

By | 25/06/2021 7:05 am

A luz do sol acelera a putrefação do governo. É preciso desenterrar o que a truculência bolsonarista quer esconder

(Editorial dO Estado de S. Paulo, 25/06/2021)

O governo de Jair Bolsonaro está se decompondo. E o mau cheiro começa a ficar insuportável.

Na quarta-feira, mesmo dia em que o escândalo da estranha negociação para a compra da vacina indiana Covaxin ganhou componentes explosivos, anunciou-se a saída do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cujo passivo judicial é quase tão vistoso quanto os prejuízos ambientais e de imagem que ele causou ao País.

Espíritos céticos dirão que não se trata de simples coincidência. Sempre que irrompe um novo escândalo com potencial para danificar a fantasia de campeão anticorrupção que Bolsonaro vestiu desde a campanha eleitoral, o presidente se livra de algum dos seus ministros ditos “ideológicos” – isto é, ventríloquos do bolsonarismo mais estridentes – para tentar desviar a atenção.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o notório Abraham Weintraub, colocado por Bolsonaro no Ministério da Educação para destruir o sistema de ensino do País. Estava sendo muito bem-sucedido em sua missão até a manhã do dia 18 de junho do ano passado, quando foi preso Fabrício Queiroz, o faz-tudo da família Bolsonaro, pivô do escândalo das rachadinhas. À tarde, Weintraub – que havia defendido a prisão dos “vagabundos” do Supremo Tribunal Federal – foi demitido.

No caso de Salles, o ministro perdeu o emprego não por liderar o maior processo de desmonte da proteção ambiental de que se tem notícia no País, pois o fazia a mando de Bolsonaro, e sim porque o cerco judicial em torno do chefe do Executivo poderia piorar ainda mais a crise política do governo.

O problema é que o descarte de ministros aloprados não tem sido mais suficiente para compensar o volume de denúncias contra o governo, em particular como resultado de sua conduta criminosa na pandemia de covid-19.

O caso da vacina Covaxin é especialmente grave. Os irmãos Luís Cláudio e Luís Ricardo Miranda – o primeiro, deputado federal; o segundo, servidor do Ministério da Saúde – informaram pessoalmente ao presidente Bolsonaro em março passado sobre as supostas irregularidades no contrato para a aquisição do imunizante. Segundo ambos, Bolsonaro disse que acionaria a Polícia Federal para investigar a denúncia.

Não há notícia de qualquer investigação sobre o assunto, e o contrato, eivado de suspeitas, foi mantido. Nele, o governo Bolsonaro topou comprar 20 milhões de doses da Covaxin, a um custo unitário de US$ 15, num processo marcado pela celeridade – a negociação com os indianos durou apenas 3 meses, um espantoso contraste com o processo para a compra da vacina da Pfizer, que levou 11 meses. O servidor Luís Ricardo Miranda, responsável pela área de importação no Ministério da Saúde, relatou ter sofrido “pressões anormais” para liberar o contrato.

Ademais, a vacina da Covaxin foi adquirida mesmo sem ter sido liberada pela Anvisa, contrariando a condição imposta por Bolsonaro para a compra de qualquer imunizante, e por um preço superior ao praticado pela Pfizer – que, para o governo, era muito alto, conforme se queixou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Por fim, o negócio com a Covaxin envolvia um intermediário com várias pendências judiciais e o pagamento para uma empresa em Cingapura – que tem tudo para ser de fachada, como desconfia a CPI da Pandemia.

A comissão parlamentar agora vai se debruçar sobre esse caso, que provavelmente se tornará o centro das investigações dos senadores. Diante disso, o governo Bolsonaro fez o que faz de melhor: em vez de demonstrar interesse em apurar o escândalo, partiu para a intimidação de quem fez a denúncia.

Aos brados, em nome do presidente, o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, anunciou que Bolsonaro mandou a Polícia Federal investigar os irmãos Miranda, especialmente o deputado Luís Cláudio, um conhecido bolsonarista. “Deus está vendo”, disse Lorenzoni, e acrescentou, menos sutil que Don Corleone: “Mas o senhor não vai só se entender com Deus, vai se entender com a gente também”.

Como acontece com os cadáveres, a luz do sol acelera a putrefação moral do governo. Mais do que nunca, é preciso desenterrar o que a truculência bolsonarista quer esconder.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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