O dever de cada um

By | 01/07/2021 2:09 pm

O pedido de abertura de inquérito para investigar se Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação deixa claro quem está cumprindo seu papel

(Editorial do Estadão, 01/07/2021)

Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) enviaram ao Supremo Tribunal Federal, na segunda-feira passada, uma notícia-crime pedindo a abertura de inquérito para investigar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação.

Na atual conjuntura, a iniciativa dos senadores tem escassas chances de prosperar, mas tem o mérito de deixar claro quem está cumprindo seu papel constitucional e quem está apenas servindo aos interesses do presidente Bolsonaro.

A notícia-crime diz respeito à informação de que Bolsonaro não teria tomado providências ao tomar conhecimento, por meio de um funcionário do Ministério da Saúde e por um deputado federal, de que talvez estivesse em curso um esquema de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin.

“Tudo indica que Bolsonaro, efetiva e deliberadamente, optou por não investigar o suposto esquema de corrupção levado a seu conhecimento”, diz a petição dos senadores. Para os parlamentares, essa atitude sugere que Bolsonaro ou estava envolvido diretamente no esquema ou estava protegendo algum “amigo do rei”. Se for confirmada, a omissão do presidente caracteriza prevaricação – crime comum, previsto no artigo 319 do Código Penal.

Se tudo for feito como manda o figurino constitucional, o Supremo encaminha a petição – como já o fez – à Procuradoria-Geral da República (PGR). Se achar que é o caso, a PGR determina a abertura de inquérito, por meio da Polícia Federal, e, havendo indícios de autoria e materialidade, apresenta ao Supremo uma denúncia contra o presidente por crime comum. Em seguida, o Supremo envia o caso para a Câmara, que decidirá se autoriza a continuidade do processo contra Bolsonaro, por meio de votação em plenário. Em caso de aprovação, com o voto de dois terços dos deputados, cabe ao Supremo decidir se abre o processo – e, nessa hipótese, o presidente é afastado do cargo até o julgamento, que deve ocorrer num prazo de 180 dias.

Como se observa, é longo e tortuoso o processo de responsabilização criminal do presidente da República, e é bom que assim o seja, para preservar não a pessoa do presidente, mas o cargo. No entanto, essa proteção institucional não pode ser pretexto para blindar Bolsonaro, impedindo que ele responda por seus atos.

A Procuradoria-Geral da República, por exemplo, resolveu não tomar nenhuma providência até que a CPI da Pandemia conclua seus trabalhos, o que ainda está longe de acontecer.

Em resposta ao Supremo, o subprocurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, considera que a CPI é o “mais potente instituto de investigação no direito brasileiro”, razão pela qual a PGR, titular da ação penal pública, não pretende fazer nada por ora porque a comissão parlamentar já está investigando o caso.

Não foi esse o entendimento da PGR na época do escândalo do mensalão, em 2006: a Procuradoria investigou o esquema de corrupção ao mesmo tempo que uma CPI avaliava o caso, e a denúncia que ofereceu na época foi até mais dura do que as conclusões da comissão parlamentar. Ou seja, naquela oportunidade a PGR, cuja independência é assegurada pela Constituição, não renunciou às suas atribuições.

Hoje, a PGR do sr. Augusto Aras, que aspira a receber indicação para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, abdica de investigar o presidente. Mas não é o único a vacilar ante suas obrigações, por insondáveis razões.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a quem cabe analisar o requerimento de prorrogação da CPI da Pandemia – que já obteve o número necessário de assinaturas –, informou que só o fará ao final do prazo atual de funcionamento, em 7 de agosto. As novas denúncias, que envolvem diretamente o presidente da República, demandam a continuidade das investigações, mas o senador Pacheco – que era contrário à CPI e só a instalou por ordem do Supremo – continua inclinado a dar uma força ao governo.

Diante de um escândalo tão grave, aqueles que têm algum papel em sua elucidação têm o dever cívico e moral de o cumprir. Não fazê-lo, para proteger quem quer que seja, equivale a ser cúmplice.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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