Um presidente que se vale de um ‘vamos supor’ não merece crédito

By | 06/07/2021 9:15 am

Bolsonaro além dos limites

Um presidente da República que, para desviar a atenção, se vale de um “vamos supor” não merece nenhum crédito

(Editorial do Estadão, em 06/07/2021)

Na sexta-feira passada, abriu-se o inquérito para investigar o presidente Jair Bolsonaro por crime )de prevaricação. No sábado, manifestantes foram às ruas, em todas as capitais do País, para pedir o impeachment de Bolsonaro. Foi a terceira onda de manifestações em dois meses. E qual foi a reação de Jair Bolsonaro diante de tudo isso?

No domingo, Jair Bolsonaro foi ao Twitter fazer graves insinuações. Não citou nomes. Não falou de onde provinha a informação. Nem mesmo afirmou se o que disse era de fato uma informação. Valeu-se do manual da covardia.

“Vamos supor – escreveu o presidente da República em sua conta no Twitter – uma autoridade filmada numa cena com menores (ou com pessoas do mesmo sexo ou com traficantes) e esse alguém passe a fazer chantagem ameaçando divulgar esse vídeo. Parece que isso está sendo utilizado no Brasil (importado de Cuba pela esquerda) onde certas autoridades tomam decisões simplesmente absurdas, para atender ao chantageador.”

A prática da chantagem é crime no Brasil. O Código Penal prevê pena de quatro a dez anos de reclusão para quem “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.

Não cabe ao presidente da República insinuar a existência de chantagem. Ou tem elementos suficientes para apresentar uma notícia-crime ou deve manter-se calado sobre o assunto, sem insinuar ou difundir boatos.

No entanto, Jair Bolsonaro segue o caminho oposto, espalhando confusão sob os mais variados pretextos. As manifestações do dia 3 de julho, assim como as de 29 de maio e de 19 de junho, pediram o impeachment do presidente. A cada dia, mais brasileiros estão convictos de que o presidente Bolsonaro cometeu, com seus atos e suas omissões, crime de responsabilidade durante a pandemia e deve, pelas vias constitucionais, ser afastado do cargo.

Além disso, os escândalos de compra e negociação de vacinas anticovid, envolvendo integrantes do governo federal – e com a acusação de que o presidente Bolsonaro teria se omitido diante de informação sobre mau uso do dinheiro público –, fortaleceram os pedidos de impeachment do presidente da República.

E qual foi a reação de Jair Bolsonaro? Falando das manifestações de sábado, o presidente escreveu em sua conta no Twitter: “Esse tipo de gente quer voltar ao Poder por um sistema eleitoral não auditável, ou seja, na fraude”.

O atual sistema de votação é inteiramente auditável, em suas várias etapas. Ou seja, Jair Bolsonaro difunde informação falsa. Como também é falsa a acusação de que, sem voto impresso, haverá fraude nas próximas eleições.

Jair Bolsonaro recorre a insinuações e acusações sem prova. No ano passado, anunciou que apresentaria em breve provas de fraude nas eleições de 2018. Até agora não trouxe nenhum indício. Se tudo isso pode parecer estranho e ilógico – vale lembrar que Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República em 2018 –, é cada vez mais evidente que a disseminação de confusão e desconfiança por parte do bolsonarismo é uma tática deliberada.

Imediatamente após o presidente Bolsonaro insinuar chantagem contra uma autoridade, as redes bolsonaristas puseram-se a trabalhar, dando continuidade à disseminação de insinuações e boatos.

Nessa toada, não surpreende que o governo de Jair Bolsonaro tenha alcançado o seu patamar mais baixo de aprovação. Segundo pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em parceria com o Instituto MDA, a avaliação positiva do governo federal caiu de 33%, em fevereiro de 2020, para 27,7% em julho deste ano. No mesmo período, a rejeição ao presidente Bolsonaro subiu de 51,4% para 62,5%.

Um presidente da República que, para desviar a atenção, se vale de um “vamos supor” não merece nenhum crédito. Não precisa ser terrivelmente evangélico para saber que o sim deve ser sim e o não, não. O que passa disso vem do coisa-ruim, diz a Bíblia.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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