‘Otários e patetas’, mas não só

By | 18/07/2021 11:35 am

Precisa, Davati e World Brands revelam o /padrão de negociações de /vacinas no governo

(Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo, )

A CPI da Covid revela um padrão mais do que suspeito de negociações de vacina no governo Jair Bolsonaro, mas ainda falta concluir o principal: as múltiplas histórias revelam patetadas incríveis que resvalam para uma incompetência constrangedora, ou negociatas e interesses inconfessáveis de grupos do Ministério da Saúde, com beneplácito do Planalto?

 

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Cristiano Carvalho, representante da empresa Davati no Brasil, presta depoimento à CPI da Covid Foto: REUTERS/Adriano Machado

O padrão é claro: depois de desdenhar das ofertas sérias e confiáveis, o governo escancarou as portas para empresas de origem duvidosa, que ofereciam vacinas inexistentes, usavam atravessadores suspeitos e cobravam preços exorbitantes.

Como Bolsonaro e o governo escorraçaram a Coronavac do Butantan, fugiram da Pfizer e desdenharam do consórcio Covax Facility, os brasileiros não começaram a se vacinar em dezembro de 2020, e a Saúde correu atrás de propostas indecentes. E não foi “só” por incompetência e disputa política, mas pela fusão do negacionismo doentio de Bolsonaro com interesses escusos de setores do governo.

Almoçando com o presidente, numa dessas viagens de campanha, generais e coronéis descobriram que não é da boca para fora, ele é mesmo, convictamente, contra as vacinas. Gabou-se de não se vacinar, disse que não acreditava “nessas vacinas aí” e, se dependesse dele, não tinha imunização nenhuma. Um espanto!

Enquanto isso, o general da ativa Eduardo Pazuello e seu braço direito na Saúde, coronel da reserva Élcio Franco, negociavam com empresas e atravessadores que seriam facilmente desmascarados, mas ninguém checou, ou não quis checar. A Precisa, da Covaxin, é sócia da Global, processada pelo próprio Ministério da Saúde, o governo do DF, a Petrobrás e os Correios por oferecer o que não tinha, embolsar a grana e não entregar o produto.

A Covaxin, não reconhecida na Índia e na Anvisa, era a mais cara de todas. Mas o governo assinou o contrato de R$ 1,6 bilhão e a nota de empenho e, como o Estadão mostrou, ainda mudou o contrato para trocar “exclusividade” por “preferência”. O risco? A empresa receber o pagamento do governo e desviar as vacinas para clínicas particulares. E o coronel Élcio ainda pediu mais 30 milhões de doses…

Tudo isso só foi abortado por causa da CPI, que transmite também a novela da Davati, que seria um pastelão, não fosse do gênero policial: um reverendo, um PM da ativa e um beneficiário do auxílio emergencial metidos com uma empresa americana que nunca vendeu uma dose de vacina, mas oferecia 400 milhões da AstraZeneca. Pazuello precisa voltar à CPI e explicar como o ministério acreditou num golpe tão óbvio.

Ratificando o padrão, um vídeo divulgado pela Folha de S. Paulo mostra Pazuello anunciando, no ministério, um memorando de entendimentos com uma terceira empresa, World Brands, para adquirir a Coronavac por um preço três vezes superior ao que o governo paga ao Butantan. Assim como estava passando e deu de cara com o palanque de Bolsonaro, Pazuello diz que foi dar uma volta nos corredores e trombou por acaso com a World Brands.

Resultado: Bolsonaro tinha vetado a oferta do Butantan, de US$ 10 a dose, e Pazuello anunciou alegremente a nova, a US$ 28, num total de R$ 4,7 bilhões. Pazuello e Franco “esqueceram” que o Butantan é o único representante da Coronavac no Brasil? Que vacinas a World Brands tinha efetivamente a oferecer? E por que mentir na CPI?

Precisa, Davati e World Brands revelam aproveitadores, vacinas inexistentes, valores bilionários, funcionários de má-fé e militares que, ou estavam mais perdidos do que cego em tiroteio, ou curtindo o tiroteio. Bolsonaro chamou os senadores Omar AzizRandolfe Rodrigues e Renan Calheiros de “otários” e “patetas”, mas errou o alvo. Não seriam o general e seus coronéis da Saúde? Ou nós, o povo brasileiro?

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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