A nova cúpula da Defesa não percebeu que os militares estão perdendo a guerra para o Centrão e a realidade
Quanto mais o Centrão avança, mais os militares recuam do centro do governo Jair Bolsonaro e mais o Ministério da Defesa se transforma em fortaleza a favor do presidente e contra quem e o que sejam identificados como ameaça à continuidade de Bolsonaro, hoje e em 2022, seja um senador como Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, seja a realização de eleições sem voto impresso auditável.
É por isso, e muito mais, que a informação divulgada pelo Estadão ontem, é daquelas que todos os lados tentam desmentir, mas todo mundo sabe que é verdadeira: no mesmo dia (8 de julho) em que o presidente ameaçava a realização das eleições, o ministro da Defesa mandava recado para o presidente da Câmara, Arthur Lira, de que, ou tem voto impresso, ou não tem eleição.
Além do fato de que as duas autoras, Andreza Matais e Vera Rosa, são grandes jornalistas, é preciso ver o conjunto da obra. As Forças Armadas encampam a tese do voto impresso; desde a troca da alta cúpula militar, paira um clima de agitação, com notas e ameaças; e Braga Netto trocou a imagem de discreto e eficiente por raivoso e beligerante. Deve ter sido posto lá para isso.
Logo, “si non è vero è bene trovato” que o ministro tenha enviado recado a Lira ratificando um apoio incondicional a Bolsonaro e às ameaças que ele insiste em fazer contra as eleições – quando não ao Supremo e ao TSE, a jornalistas e ao presidente da OAB. Nenhuma exatamente democrática.
Atenção aos “desmentidos”. Primeiro, Braga Netto foi contundente: “invenção”. Depois, leu nota dizendo que “não usa interlocutores” e que se trata de “desinformação que gera instabilidade entre os poderes”. Entretanto, ratificou o apoio ao voto com comprovante impresso e não disse, claramente, que não mandou recado, não ameaçou e não ameaçaria a eleição. Aliás, não fez sequer uma defesa enfática da sua realização.
O deputado Lira ficou ainda mais em cima do muro: “O Brasil quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem, através do voto popular, secreto e soberano”. Ou, como diz o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco: “As eleições são inegociáveis”. Lira desmentiu o quê? Nada. À sua maneira, até confirmou que recebeu o recado.
O mais estranho é que a informação de que o ministro da Defesa ameaça as eleições, nos bastidores, causou muito mais furor do que o próprio presidente da República ameaçá-las ostensivamente. Ou há um grande temor sobre as intenções das Forças Armadas, ou ninguém dá a menor bola para o que o presidente fala, ou ambas. Como diz o vice Mourão, Brasil não é república de bananas. Vai ter eleição!
Esteja ou não a cúpula militar ameaçando eleições e senadores, militares de altas patentes, da ativa e da reserva, questionam bravatas golpistas: “Como vai se concretizar isso? Com que tropa? Não será com as nossas…”, diz um deles. E acrescenta, resumindo o que colegas dizem: “Está tudo dominado pelo Centrão. Vamos ver onde iremos parar, mas uma coisa é certa: no ano que vem tem eleição e o eleito assume em janeiro de 2023”.
Eles assistem, um tanto perplexos, até irritados, a mais uma desfeita de Bolsonaro contra um general: a troca de Luiz Eduardo Ramos por Ciro Nogueira na Casa Civil, coração do governo. Ramos, amigo e o assessor mais leal de Bolsonaro, antecipou sua passagem para a reserva em um ano e seis meses em nome do “projeto” e se sentiu “atropelado por um trem” ao saber da demissão.
Já Nogueira, presidente do Progressistas e líder do Centrão, participou das articulações pró-Geraldo Alckmin em 2018, apoiou Fernando Haddad nos dois turnos e chamou Bolsonaro de “fascista”, mas pulou no governo já no primeiro ano. Lealdade geleia. Os militares encastelados na estrutura da Defesa não entenderam que estão perdendo a guerra.