Eleições, sim!

By | 23/07/2021 2:02 pm

A nova cúpula da Defesa não percebeu que os militares estão perdendo a guerra para o Centrão e a realidade

(Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo, 23/07/2021)

Quanto mais o Centrão avança, mais os militares recuam do centro do governo Jair Bolsonaro e mais o Ministério da Defesa se transforma em fortaleza a favor do presidente e contra quem e o que sejam identificados como ameaça à continuidade de Bolsonaro, hoje e em 2022, seja um senador como Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, seja a realização de eleições sem voto impresso auditável.

É por isso, e muito mais, que a informação divulgada pelo Estadão ontem, é daquelas que todos os lados tentam desmentir, mas todo mundo sabe que é verdadeira: no mesmo dia (8 de julho) em que o presidente ameaçava a realização das eleições, o ministro da Defesa mandava recado para o presidente da Câmara, Arthur Lira, de que, ou tem voto impresso, ou não tem eleição.

Braga Netto
O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, no Palácio do Planalto Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO (22/4/2020)

Além do fato de que as duas autoras, Andreza Matais e Vera Rosa, são grandes jornalistas, é preciso ver o conjunto da obra. As Forças Armadas encampam a tese do voto impresso; desde a troca da alta cúpula militar, paira um clima de agitação, com notas e ameaças; e Braga Netto trocou a imagem de discreto e eficiente por raivoso e beligerante. Deve ter sido posto lá para isso.

Logo, “si non è vero è bene trovato” que o ministro tenha enviado recado a Lira ratificando um apoio incondicional a Bolsonaro e às ameaças que ele insiste em fazer contra as eleições – quando não ao Supremo e ao TSE, a jornalistas e ao presidente da OAB. Nenhuma exatamente democrática.

Atenção aos “desmentidos”. Primeiro, Braga Netto foi contundente: “invenção”. Depois, leu nota dizendo que “não usa interlocutores” e que se trata de “desinformação que gera instabilidade entre os poderes”. Entretanto, ratificou o apoio ao voto com comprovante impresso e não disse, claramente, que não mandou recado, não ameaçou e não ameaçaria a eleição. Aliás, não fez sequer uma defesa enfática da sua realização.

O deputado Lira ficou ainda mais em cima do muro: “O Brasil quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem, através do voto popular, secreto e soberano”. Ou, como diz o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco: “As eleições são inegociáveis”. Lira desmentiu o quê? Nada. À sua maneira, até confirmou que recebeu o recado.

O mais estranho é que a informação de que o ministro da Defesa ameaça as eleições, nos bastidores, causou muito mais furor do que o próprio presidente da República ameaçá-las ostensivamente. Ou há um grande temor sobre as intenções das Forças Armadas, ou ninguém dá a menor bola para o que o presidente fala, ou ambas. Como diz o vice Mourão, Brasil não é república de bananas. Vai ter eleição!

Esteja ou não a cúpula militar ameaçando eleições e senadores, militares de altas patentes, da ativa e da reserva, questionam bravatas golpistas: “Como vai se concretizar isso? Com que tropa? Não será com as nossas…”, diz um deles. E acrescenta, resumindo o que colegas dizem: “Está tudo dominado pelo Centrão. Vamos ver onde iremos parar, mas uma coisa é certa: no ano que vem tem eleição e o eleito assume em janeiro de 2023”.

Eles assistem, um tanto perplexos, até irritados, a mais uma desfeita de Bolsonaro contra um general: a troca de Luiz Eduardo Ramos por Ciro Nogueira na Casa Civil, coração do governo. Ramos, amigo e o assessor mais leal de Bolsonaro, antecipou sua passagem para a reserva em um ano e seis meses em nome do “projeto” e se sentiu “atropelado por um trem” ao saber da demissão.

Já Nogueira, presidente do Progressistas e líder do Centrão, participou das articulações pró-Geraldo Alckmin em 2018, apoiou Fernando Haddad nos dois turnos e chamou Bolsonaro de “fascista”, mas pulou no governo já no primeiro ano. Lealdade geleia. Os militares encastelados na estrutura da Defesa não entenderam que estão perdendo a guerra.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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