‘Desgovernado, Bolsonaro só vai parar ao colidir com as instituições’

By | 06/08/2021 8:41 am

O presidente sem freios

Ao fazer ameaça de golpe, Jair Bolsonaro joga fora das “quatro linhas” constitucionais. Desgovernado, ele só vai parar ao colidir contra o muro das instituições

(Editorial do Estadão, em 06/08/2021)
O novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tomou posse na quarta-feira passada apresentando-se como o “amortecedor” do governo perante os demais Poderes. O que falta ao presidente Jair Bolsonaro, contudo, são freios.

Há meses, Bolsonaro vem anunciando que não aceitará o resultado das eleições do ano que vem caso o desfecho lhe seja desfavorável. A desculpa é uma inexistente vulnerabilidade das urnas eletrônicas, que o presidente e sua milícia virtual invocam para questionar o sistema de votação e desde já colocar em dúvida todo o processo eleitoral.

Trata-se de explícita manifestação golpista. A recusa em aceitar o resultado das eleições, mesmo que a lisura da votação seja constatada pela Justiça Eleitoral, é evidente atentado à democracia. O crime é ainda mais grave por ser cometido pelo presidente da República em pessoa, em razão da ressonância que tão elevado cargo político e institucional confere às suas palavras.

Não à toa, pesquisas vêm demonstrando que Bolsonaro conseguiu inocular em parte da sociedade brasileira a toxina da dúvida sobre a validade da votação. Mais do que isso: o presidente está jogando a opinião pública contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, conforme as teorias bolsonaristas, estariam agindo em conluio para prejudicar Bolsonaro e fazer do petista Lula da Silva presidente.

Foi precisamente por essa razão que, na quarta-feira, a partir de notícia-crime encaminhada pelo TSE, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, incluiu Bolsonaro no inquérito 4.781, que desde 2019 investiga a usina bolsonarista de produção de notícias falsas para desmoralizar o Supremo e o TSE.

Como agora se tornou muito claro, o presidente Bolsonaro integra ativamente essa máquina de desestabilização da democracia. Em um pronunciamento feito há uma semana, Bolsonaro, a título de apresentar “provas” das alegadas fraudes nas urnas eletrônicas, mentiu diversas vezes e usou informações comprovadamente falsas para basear suas denúncias contra o sistema de votação. Na mesma ocasião, apresentou-se como vítima de um complô das Cortes superiores.

Foi esse pronunciamento que motivou a notícia-crime enviada pelo TSE ao STF e que levou o ministro Moraes a, finalmente, incluir Bolsonaro no rol de investigados por suspeita de formação de organização criminosa dedicada a destruir a democracia no Brasil. “Não há dúvidas”, escreveu o ministro em seu despacho, “de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a democracia.”

A reação de Bolsonaro foi violenta. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, o presidente questionou a legalidade da decisão de Alexandre de Moraes, dizendo que se trata de “um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico”, pois, segundo sua interpretação, deveria ter sido aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR). “Ele abre, apura e pune? Sem comentário”, disse Bolsonaro. E acrescentou: “Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então, o antídoto para isso também não está dentro das quatro linhas da Constituição”.

Em primeiro lugar, não há qualquer ilegalidade na decisão do ministro Moraes. O Supremo tem a prerrogativa de abrir investigação contra o presidente da República. Já o titular da ação penal continua a ser a PGR, e um processo contra o presidente só terá seguimento se houver apoio de dois terços da Câmara. Logo, tudo está sendo feito “dentro das quatro linhas da Constituição”, como gosta de dizer o presidente.

Quem está fora dessas “quatro linhas” constitucionais é Bolsonaro, ao fazer ameaça explícita de golpe de Estado, declarando, com todas as letras, que pode atropelar a Constituição caso não seja feita sua vontade. Para completar, Bolsonaro, como valentão de briga de rua, declarou que “a hora dele (Alexandre Moraes) vai chegar”.

Sem freios, o desgovernado Bolsonaro só vai parar ao colidir contra o muro das instituições democráticas. Que esse muro aguente o tranco.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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