Poderes já articulam saída para aliviar tensão com Bolsonaro após Câmara ‘julgar’ voto impresso

By | 09/08/2021 6:58 am

Apesar da dificuldade de controlar presidente, Congresso, Judiciário e governo negociam mudanças para eleições em caso de derrota de PEC na Câmara

BRASÍLIA

Líderes do Congresso, integrantes do governo e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) articulam estratégias para reduzir a tensão entre os Poderes após a análise do voto impresso na Câmara.

O presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), deve abordar o tema em almoço marcado com líderes da base governista nesta segunda-feira (9).

A PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso —obsessão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)— deve ser analisada pelos deputados na terça (10).

Presidente e apoiadores mais radicais do bolsonarismo defendem o que chamam de “voto impresso auditável”. Bolsonaro já foi desmentido sobre eventuais fraudes nas urnas, mas mantém o discurso.

O mandatário também fez uma live em que prometeu apresentar provas das acusações, mas, ao longo da transmissão, mudou o discurso e admitiu que não pode comprovar se as eleições foram ou não fraudadas.

Neste domingo (8), ele esteve em mais uma motociata. Os participantes levantaram a bandeira do voto impresso. O evento passou por Brasília, Ceilândia e Taguatinga (DF). Diferentemente dos dias anteriores, não houve registro de imagens de ataques de Bolsonaro a ministros do STF.

Diante da escalada de tensão da última semana, uma das soluções em negociação é o aumento no número de urnas eletrônicas que seriam submetidas ao teste de integridade, o que seria mais uma prova da lisura do pleito e daria a Bolsonaro narrativa para justificar a apoiadores que a luta pela mudança no modelo teve resultado.

O TSE já realiza estudos para viabilizar a medida. A articulação tem sido capitaneada por Lira e pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, líderes do centrão.

A interlocutores eles dizem acreditar que essa é uma boa saída porque os dois lados teriam de ceder um pouco. Ao final, afirmam que a disputa acabaria sem vencedores ou vencidos.

Desde 2002, o teste de integridade é realizado pelo TSE e consiste na realização de uma votação paralela à votação oficial a fim de comprovar que o voto digitado é exatamente o mesmo posteriormente contabilizado.

Urnas são sorteadas em todo o país um dia antes do pleito e são retiradas das zonas eleitorais e levadas ao respectivo Tribunal Regional Eleitoral para uma votação paralela.

Representantes de partidos e coligações depositam votos em uma urna de papel e o mesmo voto é dado na urna eletrônica. Ao final, é atestado que os números das duas urnas coincidem, comprovando a lisura do sistema.

Cerca de cem urnas são submetidas a esse teste. O TSE já avalia para quantos equipamentos a medida poderia ser ampliada. Ao todo, hoje, são usadas cerca de 500 mil urnas na eleição.​

Uma outra ideia é aumentar o tempo em que o código-fonte usado nas urnas fica aberto ao público. Atualmente, esse período é de seis meses, mas pode ser ampliado para um ano ou mais.

Nos bastidores, congressistas avaliam que o voto impresso não alcançaria o apoio de 200 deputados.

Para ser aprovada no plenário, a proposta, de autoria da bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), teria de receber ao menos 308 votos, em dois turnos. Há quem estime menos de 150 votos favoráveis ao tema.

Depois, seria necessário o aval de ao menos 49 senadores, também em duas votações, para ser promulgada. Para valer em 2022, isso teria de acontecer até o início de outubro.

No PSD, a orientação para a bancada será o voto contrário. O presidente da legenda, Gilberto Kassab, avalia que, se a proposta tiver mais de 200 votos, será uma grande surpresa.

“Respeitando a divergência, acho um absurdo o Brasil estar discutindo esse tema quando a gente tem coisas mais relevantes, como a própria vacina, a fome, internet nas escolas, o desemprego”, afirmou.

A polarização levou até partidos que, no passado, apoiaram a mudança a rever posições. Como informou o Painel, da Folha, neste domingo, um deles, o PDT, vai orientar a bancada de 25 deputados a votar contra a PEC. O PP, de Lira, dividido, terá a bancada liberada.

O Cidadania, que tem sete deputados, também se pronunciou em defesa da urna eletrônica.

“Bolsonaro mente e sabe que não tem prova alguma de fraude e tenta, com tal empreitada, desmoralizar o sistema, as instituições republicanas e a própria democracia. Não vai parar, salvo se pararmos com o seu impeachment ou sua derrota nas eleições de 2022”, afirmou o presidente do partido, Roberto Freire.

A decisão de Lira de levar a PEC para plenário foi criticada por quem vê na defesa do voto impresso por Bolsonaro uma tentativa de tumultuar a eleição.

“O que esperávamos do presidente da Casa é que, com a derrota da proposta na comissão por uma maioria tão clara, nem sequer se cogitasse levar a PEC adiante”, afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).

No colegiado, o relatório do deputado Filipe Barros (PSL-PR) favorável à PEC foi derrotado por 23 votos a 11. “O fato de levá-la ao plenário atende, sem dúvida alguma, a um desejo de Bolsonaro.”

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), defende a decisão de Lira. “O presidente Arthur fez o correto para dar legitimidade de plenário à decisão”, disse. “A proposta será derrubada e espero que isso traga o presidente Bolsonaro para o respeito às quatro linhas da Constituição, porque ficará claro que o Parlamento não embarcará com ele em aventuras fora das quatro linhas.”

Apesar das articulações e da expectativa de derrota da PEC, ministros do STF e do TSE sabem que as medidas em discussão são diferentes do voto impresso e dizem que é difícil acreditar que Bolsonaro irá prezar por uma relação harmônica entre os Poderes.

No entanto, apostam que essas mudanças irão ampliar a transparência do sistema eleitoral e poderão dar mais argumentos para que pessoas próximas a Bolsonaro e líderes do centrão convençam o presidente a amenizar as críticas ao Supremo e a apaziguar a relação com o Judiciário.

Nos bastidores, ministros das cortes também criticam a decisão de Lira. Para eles, levar o tema à análise do conjunto dos deputados representa um risco desnecessário, uma vez que o texto já havia sido derrubado na comissão.

Pessoas próximas de Lira dizem que a estratégia é enterrar o assunto com a rejeição do tema pela maioria dos deputados. Assim, Bolsonaro ficaria com o discurso esvaziado, pois não haveria mais proposta a ser discutida.

Comentário

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *