Apesar da dificuldade de controlar presidente, Congresso, Judiciário e governo negociam mudanças para eleições em caso de derrota de PEC na Câmara
Líderes do Congresso, integrantes do governo e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) articulam estratégias para reduzir a tensão entre os Poderes após a análise do voto impresso na Câmara.
O presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), deve abordar o tema em almoço marcado com líderes da base governista nesta segunda-feira (9).
A PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso —obsessão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)— deve ser analisada pelos deputados na terça (10).
Presidente e apoiadores mais radicais do bolsonarismo defendem o que chamam de “voto impresso auditável”. Bolsonaro já foi desmentido sobre eventuais fraudes nas urnas, mas mantém o discurso.
O mandatário também fez uma live em que prometeu apresentar provas das acusações, mas, ao longo da transmissão, mudou o discurso e admitiu que não pode comprovar se as eleições foram ou não fraudadas.
Neste domingo (8), ele esteve em mais uma motociata. Os participantes levantaram a bandeira do voto impresso. O evento passou por Brasília, Ceilândia e Taguatinga (DF). Diferentemente dos dias anteriores, não houve registro de imagens de ataques de Bolsonaro a ministros do STF.
Diante da escalada de tensão da última semana, uma das soluções em negociação é o aumento no número de urnas eletrônicas que seriam submetidas ao teste de integridade, o que seria mais uma prova da lisura do pleito e daria a Bolsonaro narrativa para justificar a apoiadores que a luta pela mudança no modelo teve resultado.
O TSE já realiza estudos para viabilizar a medida. A articulação tem sido capitaneada por Lira e pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, líderes do centrão.
A interlocutores eles dizem acreditar que essa é uma boa saída porque os dois lados teriam de ceder um pouco. Ao final, afirmam que a disputa acabaria sem vencedores ou vencidos.
Desde 2002, o teste de integridade é realizado pelo TSE e consiste na realização de uma votação paralela à votação oficial a fim de comprovar que o voto digitado é exatamente o mesmo posteriormente contabilizado.
Urnas são sorteadas em todo o país um dia antes do pleito e são retiradas das zonas eleitorais e levadas ao respectivo Tribunal Regional Eleitoral para uma votação paralela.
Representantes de partidos e coligações depositam votos em uma urna de papel e o mesmo voto é dado na urna eletrônica. Ao final, é atestado que os números das duas urnas coincidem, comprovando a lisura do sistema.
Cerca de cem urnas são submetidas a esse teste. O TSE já avalia para quantos equipamentos a medida poderia ser ampliada. Ao todo, hoje, são usadas cerca de 500 mil urnas na eleição.
Uma outra ideia é aumentar o tempo em que o código-fonte usado nas urnas fica aberto ao público. Atualmente, esse período é de seis meses, mas pode ser ampliado para um ano ou mais.
Nos bastidores, congressistas avaliam que o voto impresso não alcançaria o apoio de 200 deputados.
Para ser aprovada no plenário, a proposta, de autoria da bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), teria de receber ao menos 308 votos, em dois turnos. Há quem estime menos de 150 votos favoráveis ao tema.
Depois, seria necessário o aval de ao menos 49 senadores, também em duas votações, para ser promulgada. Para valer em 2022, isso teria de acontecer até o início de outubro.
No PSD, a orientação para a bancada será o voto contrário. O presidente da legenda, Gilberto Kassab, avalia que, se a proposta tiver mais de 200 votos, será uma grande surpresa.
“Respeitando a divergência, acho um absurdo o Brasil estar discutindo esse tema quando a gente tem coisas mais relevantes, como a própria vacina, a fome, internet nas escolas, o desemprego”, afirmou.
A polarização levou até partidos que, no passado, apoiaram a mudança a rever posições. Como informou o Painel, da Folha, neste domingo, um deles, o PDT, vai orientar a bancada de 25 deputados a votar contra a PEC. O PP, de Lira, dividido, terá a bancada liberada.
O Cidadania, que tem sete deputados, também se pronunciou em defesa da urna eletrônica.
“Bolsonaro mente e sabe que não tem prova alguma de fraude e tenta, com tal empreitada, desmoralizar o sistema, as instituições republicanas e a própria democracia. Não vai parar, salvo se pararmos com o seu impeachment ou sua derrota nas eleições de 2022”, afirmou o presidente do partido, Roberto Freire.
A decisão de Lira de levar a PEC para plenário foi criticada por quem vê na defesa do voto impresso por Bolsonaro uma tentativa de tumultuar a eleição.
“O que esperávamos do presidente da Casa é que, com a derrota da proposta na comissão por uma maioria tão clara, nem sequer se cogitasse levar a PEC adiante”, afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).
No colegiado, o relatório do deputado Filipe Barros (PSL-PR) favorável à PEC foi derrotado por 23 votos a 11. “O fato de levá-la ao plenário atende, sem dúvida alguma, a um desejo de Bolsonaro.”
O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), defende a decisão de Lira. “O presidente Arthur fez o correto para dar legitimidade de plenário à decisão”, disse. “A proposta será derrubada e espero que isso traga o presidente Bolsonaro para o respeito às quatro linhas da Constituição, porque ficará claro que o Parlamento não embarcará com ele em aventuras fora das quatro linhas.”
Apesar das articulações e da expectativa de derrota da PEC, ministros do STF e do TSE sabem que as medidas em discussão são diferentes do voto impresso e dizem que é difícil acreditar que Bolsonaro irá prezar por uma relação harmônica entre os Poderes.
No entanto, apostam que essas mudanças irão ampliar a transparência do sistema eleitoral e poderão dar mais argumentos para que pessoas próximas a Bolsonaro e líderes do centrão convençam o presidente a amenizar as críticas ao Supremo e a apaziguar a relação com o Judiciário.
Nos bastidores, ministros das cortes também criticam a decisão de Lira. Para eles, levar o tema à análise do conjunto dos deputados representa um risco desnecessário, uma vez que o texto já havia sido derrubado na comissão.
Pessoas próximas de Lira dizem que a estratégia é enterrar o assunto com a rejeição do tema pela maioria dos deputados. Assim, Bolsonaro ficaria com o discurso esvaziado, pois não haveria mais proposta a ser discutida.