FOLCLORE PATOENSE II: A PELEJA ENTRE INÁCIO E ROMANO

By | 22/08/2021 11:13 pm
(José Romildo Sousa, escritor, poeta, historiador e consultor cultural)
A Cantoria é uma arte brasileira baseada no improviso cantado, alternado por dois cantadores. O repente na cantoria de viola é desenvolvido pelos cantores acompanhados por violas e também com pandeiro como utilizava Inácio da Catingueira. Especialmente forte no nordeste brasileiro, a cantoria é baseado no canto alternado que se dá em forma de improviso poético – a criação de versos “de repente”. A origem do repentista brasileiro tem suas raízes na região de Teixeira, na Paraíba, século XIX.
No caso da “Morada do Sol”, considerado um reduto reconhecidamente privilegiado, uma vez que foi palco da famosa e histórica peleja entre Inácio da Catingueira (negro escravo que tocava pandeiro) e Romano da Mãe D’Água (também conhecido como Romano do Teixeira), que aconteceu em 1870, na Vila Imperial de Patos, no beco da Igreja Conceição. A importância desta cantoria se dá na referência que mais de uma dúzia de escritores brasileiros se reportam a ela, entre eles: Graciliano Ramos (Vicente das Alagoas), Leonardo Mota (Violeiros do Norte), F. Chagas Batista (Cantadores e Poetas Populares), Luiz da Câmara Cascudo (Vaqueiros e cantadores), Padre Manoel Otaviano, entre outros.
Existe ainda hoje em dia uma grande celeuma sobre o vencedor desta peleja. Para se ter uma ideia, o cantador e cordelista Antônio Américo editor dois folhetos intitulados a Primeira e a Segunda Peleja de Romano da Mãe D’Água com Inácio da Catingueira. No primeiro folheto que tem como autor Silvino Pirauá de Lima, no final do embate, Romano usa o verso recheado de mitologia grega para embaraçar Inácio, que era analfabeto: “Latona, Cibele, Réa,/Íris, Vulcano, Netuno,/Minerva, Diana, Juno,/Anfitrite, Androcéia,/Vênus, Mercurio, Teseu,/Júpiter, Zoilo, Perseu,/Apolo, Ceres, Pandora,/Inácio desata agora,/o nó que Romano deu. Não se dando por vencido Inácio retrucou: “Seu Romano, desse jeito/Eu não posso acompanha-lo,/Se desse um nó no martelo,/Viria eu a desatá-lo,/ Mas como foi na ciência,/Cante só que eu me calo. Diante deste artificio, Inácio encostou o pandeiro. Segundo Bráulio Tavares, existe um texto de Graciliano Ramos onde ele contando a história desta peleja, irrita-se com o truque de Romano e declara Inácio vencedor. Ainda em relação a este embate, o poeta Luiz Nunes Alves fez uma unificação dele tomando por base os diversos fragmentos que correm na boca do povo e constatou nos dois últimos versos da peleja que antecedem a derrota de Romano quando ele versifica: “Inácio vamos parar/Estou com dor de cabeça/Preciso de algum repouso/Antes que o dia amanheça/Estou com cara de sono/Sem ter mais quem me conheça”. O verso seguinte de Inácio foi decisório para Romano usar a estrofe cheia de figuras mitológicas: “Sua doença, seu Romano/Está muito conhecida/Melhor rasgar o tumor/Antes que vire ferida/O rei por perder o trono/Não deve perder a vida”.
A segunda Peleja editada por “Américo” e tendo como autor Leandro Gomes de Barros, o vencedor do encontro foi Inácio quando Romano alegou: “Inácio eu estou com sono/todo povo quer dormir/você já está exausto/só falta mesmo cair/Deixemos para outro dia/com mais gente para ouvir”. No que Inácio justificou: “O senhor qué paradeiro/e o povo combinou/ em posso pará também/ mais cansado não estou/só não vá sair dizendo/que Catingueira apanhou”.
Quem tiver a curiosidade de conhecer mais a fundo estas duas pelejas entre Romano do Teixeira e Inácio da Catingueira, editadas por Antônio Américo, vai constatar a grandeza poética destes dois cantadores.
Para registrar o momento histórico da memorável cantoria disputada pelo escravo Inácio da Catingueira e o proprietário rural, Romano de Mãe D’água, ambos paraibanos, o Instituto Histórico e Geográfico de Patos (IHGPatos), em parceria com a Fundação Cultural de Patos (FUNDAP) e o movimento literário “Os 100 bibliófilos” inaugurou recentemente ao lado da Igreja Conceição, o “Beco Inácio da Catingueira”.

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Category: Memórias de Patos

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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