Lampião e o ‘novo cangaço’: como os ataques de Araçatuba destoam dos cangaceiros

By | 31/08/2021 6:48 am

São muitas as diferenças culturais e históricas entre as práticas ocorridas da virada do século XIX até 1938 e os assaltos a bancos de hoje

(Wagner G. Barreira*, em o Estadãp, 31/08/2021)

Episódios como o de Araçatuba, prática criminosa já antiga e recorrente, ganharam o apelido de “novo cangaço”. Nada mais equivocado. O cangaço deve ser entendido como fenômeno social com hora e lugar: o sertão nordestino, da virada do século XIX para o XX até a morte de Lampião, na grota de Angico, em Sergipe, em 1938.

Em sua origem, o cangaço dizia respeito a enfrentamentos políticos, não ao crime organizado. Foi Lampião, seu último representante, que fez da atividade fora da lei um modo de ganhar a vida. Mas um modo muito específico: o cangaceiro é, antes de tudo, um nômade. Em grupo, é parte da infantaria. Na caatinga, cavalos mais atrapalhavam que ajudavam, imagine veículos.

A tática do chamado novo cangaço guarda uma semelhança com a turma que lhe rendeu o apelido: a prática de fechar cidades em suas ações. Mas, de novo, é bom resguardar diferenças culturais e históricas. Lampião atacava povoados – é dele a frase pela qual cangaceiro deve ficar longe de cidades com igreja de duas torres – e a única tentativa de invadir uma cidade grande, Mossoró, no Rio Grande do Norte, foi um fracasso retumbante.

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Líder e parte do bando foram mortos em um ataque em 1938 Foto: ACERVO ESTADÃO

Os métodos de Lampião, principalmente nos últimos dez anos de atividade cangaceira, estavam mais próximos da máfia do que dos “neo-cangaceiros”: ele cobrava por segurança. Eram famosos seus bilhetes ao ameaçar cidades e fazendas, pedindo pagamento para não agir. A prática ganhou o apelido de “saque elegante”.

Por fim, o cangaço, e em especial Lampião, sempre se identificou com valores culturais e religiosos do nordestino e, por isso, ganhou o reconhecimento de boa parte da população mais pobre. Por paradoxal, o maior líder dos fora da lei da caatinga atuou várias vezes em parceria com os coronéis do sertão, os donos do poder político.

Os feitos de Lampião e seu bando ganharam força na cultura popular e de lá para as artes: virou tema de livros de grandes escritores como Graciliano Ramos, esteve na pintura em obras de Portinari, no teatro com Rachel de Queiroz e, principalmente, no cinema – da Vera Cruz, passando por Glauber Rocha até a retomada dos anos 1990. Hoje, o cangaço é parte da cultura brasileira. Não vejo o mesmo futuro para os neo-cangaceiros.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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