Demonstração de força para perpetuar presidente no poder move apoiadores ideológicos de olho em 2022
Uma “fotografia para o mundo”, uma “oportunidade”, um “norte”, um “ultimato”, uma “demonstração gigante de patriotismo” e “um recado para o Brasil e para o mundo, dizendo para onde esse país irá”.
Tratadas como uma situação de tudo ou nada por Jair Bolsonaro, as manifestações do 7 de Setembro, nesta terça, estão atreladas não só à sobrevivência de um governo pressionado em diversas frentes, mas também ao apoio à reeleição do presidente em 2022, à visibilidade eleitoral de apoiadores e aos interesses de setores que formam sua base em perpetuá-lo no poder.
naro e para ativistas e organizadores dos atos que já foram candidatos em eleições passadas e devem tentar novamente no ano que vem.
Consultados pela reportagem, porém, entusiastas e líderes das manifestações negam haver outra motivação para ir às ruas que não seja o apoio a Bolsonaro e a defesa da liberdade, que na visão dessas pessoas está ameaçada pelas investigações do STF (Supremo Tribunal Federal) a respeito de atos antidemocráticos e fake news de urnas eletrônicas que atingem o presidente e seus aliados.
A busca por uma demonstração de apoio popular e de força eleitoral ocorre no momento em que Bolsonaro se vê tragado por uma crise institucional provocada por ele mesmo e agravada pela crise sanitária, econômica e social no país.
Distante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de 2022, o presidente vem perdendo apoio entre políticos e empresários.
Os atos do feriado da Independência despertam tensão entre políticos e autoridades diante da coincidência de data com manifestações da esquerda nas principais capitais, da eventual presença de policiais armados e da escalada de ameaças golpistas de Bolsonaro.
O presidente já anunciou que estará presente na manifestação em Brasília, pela manhã, na Esplanada dos Ministérios, e em São Paulo, à tarde, na avenida Paulista.
Como parte do esforço para transformar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em candidato a governador de São Paulo, Bolsonaro pretende levá-lo aos atos, como mostrou o Painel, da Folha.
Na avenida Paulista, grupos de bolsonaristas planejam usar faixas e camisetas com os dizeres “Queremos Tarcísio governador de São Paulo”.
O planejamento de futuras candidaturas é comum entre os ativistas envolvidos nos atos bolsonaristas do Dia da Independência.
O coronel da reserva Sylvio Malheiro Júnior, da Força Aérea Brasileira, que pretende alugar um helicóptero para filmar a manifestação na avenida Paulista, deixa claro em seu site que tem como objetivo se candidatar a deputado federal em 2022.
Ao menos oito líderes dos organizadores presentes na reunião de grupos de direita com a Polícia Militar para tratar do ato do dia 7 em São Paulo já tentaram se eleger em 2018 ou 2020, mas sem sucesso.
Alexandro Timóteo, do Jundiaí Conservador, é um deles e quer ser candidato, em 2022, a deputado estatual —cargo que tentou em 2018 pelo PSL.
À Folha ele diz que liderar manifestações ajudou a eleger alguns bolsonaristas, mas não outros. “Vou colocar meu nome à disposição, mas se tiver outra pessoa melhor na região, eu o apoio”, afirma.
Timóteo está à espera de uma definição de Bolsonaro sobre qual partido abrigará sua candidatura à reeleição. Outros ativistas seguem o compasso de espera.
“Estou me preparando [para ser candidato], mas ainda não tenho convicção sobre isso”, diz Tenente Lessa, que foi candidato a vereador em Guarulhos pelo PRTB em 2020 e participou da reunião em nome do Movimento Avança Brasil.
Para Timóteo, o apoio a Bolsonaro no 7 de Setembro se dá porque as pessoas veem no presidente “uma pessoa que vai garantir a liberdade”. “É uma situação de preocupação com a liberdade, com o STF prendendo pessoas por suas falas, parando blogs muito vizualizados.”
Questionado sobre a relação entre os atos e a eleição, o ativista diz que “as pesquisas eleitorais dizem que o ex-presidente [Lula] está na frente, mas o 7 de Setembro vai mostrar que a população apoia o presidente [Bolsonaro]”.
“Não acho provável um presidente com tamanho apoiamento público nas ruas não ser reeleito, a não ser por fraudes absurdas nas urnas”, diz Lúcio Flávio Rocha, líder do Foro Conservador, fórum de grupos que surgiu em apoio à Marcha da Família Cristã.
Ele, que foi candidato à Prefeitura de Aracaju pelo Avante em 2020, também nega intenção eleitoral nos atos, mas os reconhece como demonstração de apoio a Bolsonaro.
“Os atos de 7 de Setembro visam liberdades e apoio ao presidente. E só. Qualquer outra interpretação disso é narrativa ou má-fé. Se eu estivesse pensando em alguma candidatura ou em eleições de 2022, eu passaria os atos do em meu estado”, afirma Rocha, que irá a Brasília.
A orientação aos bolsonaristas é se concentrarem na capital federal ou em São Paulo, de forma a propiciar ao presidente a “fotografia para o mundo” que ele mencionou a respeito dos atos.
Aliado de Bolsonaro, o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), que trata a manifestação como “a verdadeira pesquisa” eleitoral nas ruas, diz que, ao convocar para os atos, não está “preocupado com eleição, mas com governabilidade“.
Questionado se a manifestação inaugura a campanha de Bolsonaro para 2022, o deputado diz que “terminou uma eleição, já começa outra campanha”.
Nunes diz não pensar em sua reeleição e que participará dos atos em Brasília e não no Rio Grande do Sul, mas destaca que mais de mil ônibus devem sair do estado rumo à capital federal.
Outros deputados federais que veem no 7 de Setembro uma chance de conexão com seus eleitores para 2022 são Coronel Tadeu (PSL-SP), que vem defendendo a participação de policiais e integra a organização dos atos, e Carla Zambelli (PSL-SP), fundadora do Nas Ruas, grupo que também promove o protesto.
A cientista social Esther Solano, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pesquisadora do bolsonarismo desde 2017, afirma que “o 7 de Setembro é um grande ato eleitoral voltado fundamentalmente para a base mais radicalizada do presidente“.
Solano afirma que Bolsonaro busca “fidelizar, mobilizar, dinamizar essa base”, que corresponde a cerca de 25% da população e acredita que o presidente é vítima de uma perseguição orquestrada. Já apoiadores mais moderados não aprovam a virada radical.
“Se no dia 7 houver bastante gente na rua, mas houver um clima agressivo, pró-golpe militar, muita gente fardada, aquela atmosfera intolerante, antidemocrática, isso tudo vai trazer coesão à base mais radicalizada. Mas a atmosfera de violência latente afasta a parte mais moderada, que já está olhando com preocupação um possível cenário violento, de polarização extrema e agressiva nas eleições de 2022.”
Como mostrou a Folha, os grupos por trás da organização dos atos reeditam a coalizão que elegeu Bolsonaro —uma base formada por ruralistas, policiais, militares, caminhoneiros, monarquistas e evangélicos, para quem não só 2022 estará em jogo nas ruas, mas sobretudo a defesa de uma ideologia.
O apóstolo César Augusto, à frente da igreja Fonte da Vida, que ao lado de outros líderes evangélicos pediu em vídeo “a presença do “povo abençoado de Deus” na Paulista, diz que há interesse em manter Bolsonaro no poder.
“Pelo fato dele hoje acreditar e colocar em prática em seu governo os princípios que acreditamos: defesa intransigente da família, da vida, das liberdades individuais e de culto.”
“Certamente ele é o presidente que mais deu espaço aos evangélicos”, afirma o líder pastoral. “Não foi como os outros, que só ficavam em promessas, fotos e tapinhas nas costas, mas no final nem as promessas cumpriam. Nós, evangélicos, cansamos de nos sentirmos usados.”
Bolsonaro trouxe os evangélicos para o governo de forma inédita e até inseriu “família” na Esplanada, com a inclusão do termo no ministério comandado pela pastora Damares Alves.
Pastor que puxou as convocações para o 7 de setembro no segmento, Silas Malafaia, no entanto, diz que “nossa questão não é manter Bolsonaro no poder, é manter alguém que tenha princípios e compromisso com o povo, com o combate à corrupção”.
O líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo diz defender “a liberdade de expressão, um dos pilares do Estado democrático de direito.”
O discurso entre os evangélicos é o de rechaçar a ideia de que a participação nos atos seja um desagravo ao presidente, ou que a nata pastoral do país esteja preocupada em perder espaço se Bolsonaro se enfraquecer. “Acho que isso é muito mesquinho, sabe, apoiar governo porque vai melhorar, vai dar cargo.”, diz Malafaia. “A igreja vem crescendo com Lula, com Dilma, com tudo aí. Não tem ‘mamãe, me chora’, tá?”
Pastor e organizador da motociata de Bolsonaro em São Paulo, em junho, Jackson Vilar, que tem uma loja de colchões, aponta ainda a questão econômica para sustentar o apoio a Bolsonaro e defendê-lo publicamente no dia 7 —embora ressalte que sua principal pauta é o voto impresso.
Vilar reclama da determinação do governo João Doria (PSDB) de fechar os comércios na fase aguda da pandemia.
“Eu fiz manifestação na porta do Doria, na Paulista, levei 3 mil comerciantes para Brasília para abrir o comércio. Imagina se um cara desse é presidente? É essa ditadura que a gente não quer. Eu quero o comércio aberto, quero que o país ande. Dia 7 vai revelar para o Brasil como está Bolsonaro nas pesquisas. Acredito vai ser gigante”, diz.