O que esperar do pós-7 de Setembro

By | 06/09/2021 7:36 am

Juliana Vieira dos Santos, coordenadora jurídica da Rede Liberdade, sócia do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados, mestre em Direito pela Harvard Law School e doutora em Teoria do Estado pela Universidade de São Paulo. Conselheira da Associação de Advogados de São Paulo – AASP

06 de setembro de 2021 | 06h30

Juliana Vieira dos Santos. FOTO: DIVULGAÇÃO

Várias peças vão se encaixando para formar o quebra-cabeça que compõe o governo autocrata de Jair Bolsonaro e revelar uma democracia sob risco evidente.

Algumas delas não são novidade para ninguém, como as ameaças geradas pelos motes golpistas do presidente, se consolidando com a chamada em torno das manifestações do próximo dia 7 de Setembro.

Além da cafonice do governo convocar uma manifestação a seu favor, há a tentativa de construir um sentimento de medo na população (fake news sobre desabastecimento e real news sobre uma população cada vez mais armada), uma tentativa de demonstração de força de um governo que derrete em popularidade, imerso em denúncias de corrupção (vacinas, rachadinha, mansões) e inepto em todos os aspectos, principalmente no controle da economia (inflação galopante, pedalada com precatórios, combustível, eletricidade, fome).

A falta permanente de diálogo, a intransigência estúpida e o descolamento da realidade surpreendem só os que votaram em Margaret Thatcher e perceberam que levaram Mussolini. O caso emblemático da ameaça de saída do Banco do Brasil e da Caixa da Febraban mostra isso. Bolsonaro está trucando também o empresariado e mostrando que é coerente: não aceita críticas de ninguém. O agronegócio que se descola da política anti-indígena e anti-Amazônia, que prejudica a capacidade de exportação do país, é outro exemplo.

A mais recente peça a ser encaixada nesse tabuleiro é a sanção, com vetos parciais, da Lei no 14.197, que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) e adiciona ao Código Penal uma parte especial relativa aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Ao sancionar essa lei, Bolsonaro promoveu três vetos principais: manteve a mesma pena para o cidadão comum e para o militar que comete esses crimes (desconsiderando a gravidade que significa ter alguém formado para o uso da força no cometimento de crimes contra a ordem democrática); o aumento de pena para cometimento desses crimes com “violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo” (como se tentar tomar o poder com fuzis ou com tacapes fosse a mesma coisa); e também o crime que tipificava a conduta de impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação.

Esses vetos estão diretamente conectados à tentativa de cooptação de militares para apoiar suas ideias golpistas e para fortalecer grupos armados que intimidam manifestações de pessoas que defendem seu impeachment ou direitos sociais em geral.

A justificativa para vetar esses dispositivos não se sustenta num ambiente democrático. No argumento do presidente, trata-se de “tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores”. Ora, numa democracia, a todos os grupos, de qualquer natureza política, ideológica e partidária, é dado o direito de manifestação, desde que ela seja pacífica e não atente contra a própria democracia (que aceita muita coisa, mas não aceita desaforo) ou contra valores insculpidos na Constituição.

Mas o que o veto revela é que o objetivo não é proteger liberdades, mas tentar normalizar o processo de ruptura democrática.

A incitação ao golpe promovida por membros de forças de segurança, com a politização crescente das polícias e das Forças Armadas, com o devido estímulo do presidente, é uma peça fundamental ainda a ser encaixada nesse tabuleiro.

E se não devemos nos impressionar com a quantidade de gente nas ruas na próxima terça-feira – as pesquisas reafirmam a total insatisfação com o governo – mais do que nunca há razões para que nos preocupemos com a coalização de autoritários que vem se formando, a partir do alinhamento das forças de segurança a Bolsonaro.

Não nos esqueçamos que, nem completados seis meses de mandato, milicianos digitais promoviam manifestações em mais de uma centena de cidades em ataque organizado contra o Congresso. Semana sim, outra também, o presidente ou alguns dos seus aliados destilam ódio direto e declarado a ministros do Supremo. Há dois anos, o presidente não se cansa de liderar a toada contra a legalidade democrática (sob o bizarro argumento da liberdade de expressão).

E antes fosse mero jogo retórico. A escalada golpista com uso de militares e forças de segurança já arrasou o campo, já matou milhares de pessoas negras nas comunidades, já violentou povos indígenas, e a truculência do autocrata do Planalto já está sendo sentido nos prédios da Faria Lima. Não à toa parte considerável do empresariado parece já ter desembarcado do governo.

O fato é que vamos para o 7 de Setembro angustiados, mas com uma certeza. É tempo de punir exemplarmente os antidemocratas – e a nova lei dos crimes contra a democracia, apesar dos vetos, prevê punições severas para delitos como a tentativa de subverter as instituições vigentes ou tentar um golpe de Estado. Sem esquecer que a Constituição de 1988 estabeleceu como “crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”. Era uma reação ao regime autoritário instalado em 1964 e continua a ser uma reação a qualquer ato ou intenção autoritária, como a que assistimos quase diariamente nas palavras e gestos do presidente.

Sem aproveitar a nova lei para riscar o chão de forma definitiva, o mosaico que se formará nesse quebra-cabeça é o horror, a explosão disforme de uma Guernica a mostrar um país esfacelado. Se ainda há instituições, a hora de agir é agora.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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