Privatizando o Orçamento
A bolsonarização do Orçamento e da máquina estatal, forma perversa de privatização, já impôs e continuará impondo custos enormes ao País
(Editorial da Folha, em 23/09/2021)
Como apurou o Estado, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, conseguiu destinar R$ 1,4 milhão do orçamento secreto à obra de um mirante turístico em Monte das Gameleiras, no Rio Grande do Norte. O mirante fica a 300 metros de um terreno de seis hectares de propriedade do ministro. Está projetada a construção, nessa área, de um condomínio de cem casas. Marinho negou ter proposto a aplicação do dinheiro, mas sua responsabilidade, como “autor” ou “agente político” foi confirmada pelos autores da reportagem, Felipe Frazão e Breno Pires, por meio da Lei de Acesso à Informação. Além da privatização do orçamento, para benefício de um membro da equipe bolsonariana, o episódio envolve, portanto, um evidente estímulo ao empreendedorismo paroquial, mais uma façanha merecedora do aplauso dos bolsonaristas.
Dinheiro da União tem sido usado também para favorecer militares e agentes de segurança, com aumentos salariais, distribuição de postos na administração federal e também um recém-lançado programa de financiamento de residências. Desde o começo de seu mandato, o presidente Bolsonaro já comprometeu com benefícios a esses grupos pelo menos R$ 27,7 bilhões, custo estimado até o fim de 2022.
O programa Habite Seguro, destinado a policiais militares e a bombeiros, deve custar R$ 183,9 milhões até o fim do atual mandato presidencial. No ano passado, policiais civis, policiais militares e bombeiros do Distrito Federal, de Rondônia, do Amapá e de Roraima receberam aumentos salariais com custo estimado em R$ 1,64 bilhão até o fim do próximo ano. Em 2020, como lembrou reportagem do Estado, outros funcionários tiveram os salários congelados por causa dos gastos com a pandemia.
Além de elevar os salários de policiais, medida agora reforçada com o programa habitacional subsidiado, Bolsonaro cortejou esses grupos com visitas e tentativas de cooptação política, num esforço para criar relações diretas de influência, embora as corporações sejam subordinadas legalmente aos governos estaduais.
A multiplicação de membros ou ex-membros das Forças Armadas em postos federais tem sido outra forma de subordinação do Estado aos interesses políticos bolsonaristas. Em julho, 6.157 militares da ativa e da reserva ocupavam postos civis, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Esse contingente era mais que o dobro do registrado na gestão do presidente Michel Temer. O caso mais ostensivo foi o da ocupação do Ministério da Saúde por pessoas com títulos militares e, na maior parte dos postos mais importantes, sem preparo para as funções.
Dominado pela incompetência e sujeito à orientação do Palácio do Planalto, o Ministério, militarizado, converteu-se em propagandista das terapias pregadas pela medicina bolsonariana. A dimensão do desastre pode ser medida em milhares de mortes e milhares de casos de contágio.
A bolsonarização do Orçamento e da máquina estatal, forma perversa de privatização, já impôs e continuará impondo custos enormes ao País. Em busca de apoio popular para continuar no poder – a reeleição é um dos meios possíveis –, o presidente decidiu criar a sua versão do Bolsa Família. Para isso decidiu aumentar a partir desta semana o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), jogando mais um custo, com a marca Bolsonaro, sobre empresas e famílias já muito pressionadas. Privatização bolsonariana é assim.