Desarvorada, sem rumo e incapaz de cuidar da economia e do dinheiro público, a equipe econômica pretende sacramentar o calote como prática regular e ainda cobrar pelo pagamento de precatórios, isto é, de dívidas judiciais. Em negociação com o Congresso, a fixação de um limite anual para a liquidação desses compromissos, tendo como referência o valor dessa despesa em 2016, é mais um abuso. O precatório corresponde a uma obrigação já atrasada. O credor, nesse caso, já foi prejudicado e precisou ir à Justiça para conseguir a reafirmação de seu direito. Qualquer tentativa de negar ou de contornar esse direito é uma nova tentativa de calote.
Além de pretender limitar o pagamento anual, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta converter a operação em negócio lucrativo para o Tesouro. Por uma das inovações propostas, o credor poderá receber pagamento imediato com desconto de 40%. Se implantado, esse procedimento será uma cópia aberrante de uma transação realizada, de forma legítima, no mercado. Instituições financeiras podem comprar, com redução de valor, direitos de credores do setor público. Essa é uma operação semelhante ao desconto de um título. Em troca de uma remuneração, a instituição assume o risco, adianta o dinheiro e o credor do governo vai cuidar da vida.
Não há como confundir o Tesouro com uma instituição de mercado. Quando um banco adianta dinheiro a um credor do governo, em troca de seu direito, ocorre uma transação normal entre dois agentes qualificados para comprar e vender. A cobrança de remuneração pela entidade financeira é um fato rotineiro, componente normal do negócio. O Tesouro, como devedor, de nenhum modo se confunde com uma empresa fornecedora de financiamento. Não tem sentido cobrar pelo pagamento de uma dívida, especialmente de uma dívida em atraso e enfim cobrada com base em decisão judicial. A proposta de pagamento imediato com desconto de 40%, ou de qualquer outro valor, assemelha-se a uma extorsão.
O acordo em discussão com o Congresso envolve outras formas de liquidação de compromissos, como o abatimento de débitos com a União e a compra de bens públicos. Essas propostas são mais dignas de discussão. Quanto ao pagamento em dez vezes, com parcelas corrigidas pela Selic, a taxa básica de juros, é uma solução também ruim, porque favorece muito mais a União do que o credor.
Mas a mudança de regras para os precatórios, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), é motivada muito mais por um objetivo eleitoral do que por um problema de administração das finanças públicas. Não se trata apenas de abrir espaço no Orçamento para permitir a execução de gastos obrigatórios ou de investimentos importantes para o desenvolvimento econômico e social. O presidente da República precisa de condições fiscais para implantar o Auxílio Brasil, sua versão ampliada do programa Bolsa Família.
Esse interesse pode parecer estranho a quem pensa no Jair Bolsonaro de outros tempos. Esse político é lembrado por manifestações de desprezo àquele programa e pelo descaso em relação aos pobres, a seus problemas e, de modo mais amplo, às condições de vida e às preocupações da maior parte dos trabalhadores – dos trabalhadores de verdade, envolvidos em atividades honestas e úteis. O empenho do presidente em criar um Bolsa Família com sua marca é facilmente compreensível, no entanto, quando se pensa em seu esforço para continuar no poder. A reeleição é um dos meios possíveis para isso, embora as falas golpistas do presidente e manifestações de seus apoiadores insinuem outras possibilidades.
Precatórios e Auxílio Brasil são componentes de cálculos voltados para os interesses particulares de um presidente pouco empenhado, em geral, na administração do País, na solução de problemas econômicos e sociais e na promoção do desenvolvimento. O risco de mais perdas para os credores de precatórios é parte desse jogo. Há outras formas de ampliar o Bolsa Família, mas envolvem políticas sérias e podem atrapalhar o relacionamento com o Centrão.