Presidente pouco empenhado tem cálculos voltados a seus interesses

By | 24/09/2021 7:35 am

Calote e reeleição

Precatórios e Auxílio Brasil são componentes de cálculos voltados para os interesses particulares de um presidente pouco empenhado na administração do País e na solução de problemas 

(Editorial do Estadão, 24/09/2021)

Desarvorada, sem rumo e incapaz de cuidar da economia e do dinheiro público, a equipe econômica pretende sacramentar o calote como prática regular e ainda cobrar pelo pagamento de precatórios, isto é, de dívidas judiciais. Em negociação com o Congresso, a fixação de um limite anual para a liquidação desses compromissos, tendo como referência o valor dessa despesa em 2016, é mais um abuso. O precatório corresponde a uma obrigação já atrasada. O credor, nesse caso, já foi prejudicado e precisou ir à Justiça para conseguir a reafirmação de seu direito. Qualquer tentativa de negar ou de contornar esse direito é uma nova tentativa de calote.

Além de pretender limitar o pagamento anual, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta converter a operação em negócio lucrativo para o Tesouro. Por uma das inovações propostas, o credor poderá receber pagamento imediato com desconto de 40%. Se implantado, esse procedimento será uma cópia aberrante de uma transação realizada, de forma legítima, no mercado. Instituições financeiras podem comprar, com redução de valor, direitos de credores do setor público. Essa é uma operação semelhante ao desconto de um título. Em troca de uma remuneração, a instituição assume o risco, adianta o dinheiro e o credor do governo vai cuidar da vida.

Não há como confundir o Tesouro com uma instituição de mercado. Quando um banco adianta dinheiro a um credor do governo, em troca de seu direito, ocorre uma transação normal entre dois agentes qualificados para comprar e vender. A cobrança de remuneração pela entidade financeira é um fato rotineiro, componente normal do negócio. O Tesouro, como devedor, de nenhum modo se confunde com uma empresa fornecedora de financiamento. Não tem sentido cobrar pelo pagamento de uma dívida, especialmente de uma dívida em atraso e enfim cobrada com base em decisão judicial. A proposta de pagamento imediato com desconto de 40%, ou de qualquer outro valor, assemelha-se a uma extorsão.

O acordo em discussão com o Congresso envolve outras formas de liquidação de compromissos, como o abatimento de débitos com a União e a compra de bens públicos. Essas propostas são mais dignas de discussão. Quanto ao pagamento em dez vezes, com parcelas corrigidas pela Selic, a taxa básica de juros, é uma solução também ruim, porque favorece muito mais a União do que o credor.

Mas a mudança de regras para os precatórios, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), é motivada muito mais por um objetivo eleitoral do que por um problema de administração das finanças públicas. Não se trata apenas de abrir espaço no Orçamento para permitir a execução de gastos obrigatórios ou de investimentos importantes para o desenvolvimento econômico e social. O presidente da República precisa de condições fiscais para implantar o Auxílio Brasil, sua versão ampliada do programa Bolsa Família.

Esse interesse pode parecer estranho a quem pensa no Jair Bolsonaro de outros tempos. Esse político é lembrado por manifestações de desprezo àquele programa e pelo descaso em relação aos pobres, a seus problemas e, de modo mais amplo, às condições de vida e às preocupações da maior parte dos trabalhadores – dos trabalhadores de verdade, envolvidos em atividades honestas e úteis. O empenho do presidente em criar um Bolsa Família com sua marca é facilmente compreensível, no entanto, quando se pensa em seu esforço para continuar no poder. A reeleição é um dos meios possíveis para isso, embora as falas golpistas do presidente e manifestações de seus apoiadores insinuem outras possibilidades.

Precatórios e Auxílio Brasil são componentes de cálculos voltados para os interesses particulares de um presidente pouco empenhado, em geral, na administração do País, na solução de problemas econômicos e sociais e na promoção do desenvolvimento. O risco de mais perdas para os credores de precatórios é parte desse jogo. Há outras formas de ampliar o Bolsa Família, mas envolvem políticas sérias e podem atrapalhar o relacionamento com o Centrão.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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