Sem o discurso de 2018 e com uma coleção de desastres do governo, o presidente sabe que não sobrevive à realidade
O presidente Jair Bolsonaro jogou fora todo o conteúdo e os falsos compromissos, mas mantém a forma e a técnica que lhe deram a vitória em 2018: uma combinação de viagens por todo o Brasil com o uso maciço da internet. Basta sorrir, produzir vídeos, tirar selfies, e o gabinete do ódio e os robôs, inclusive os de carne e osso, fazem o resto.
Sem a facada, sem o discurso de 2018 e com uma coleção de desastres do governo, ele sabe que não sobrevive à realidade, à pandemia, à economia e a perguntas, sejam de jornalistas, sejam de adversários, e prefere multidões que não questionam nada, só gritam “mito”. Vai ter de fugir dos debates e entrevistas.
Pode simplesmente não aparecer e deixar os adversários falando sozinhos e se atacando uns aos outros, como em 2018. Antonio Carlos Magalhães, o ACM, dizia: “Reunião que eu não vou não vale”. Bolsonaro pode adaptar: “Debate que eu não vou não vale”. Mas os debates entre os outros serão uma saraivada de verdades contra ele.
Bolsonaro viajou todos os dias da semana passada. A Teotônio Vilela (AL), Teixeira de Freitas (BA), Boa Vista (RR), Belo Horizonte (MG) e Maringá (PR), do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, nome recorrente da CPI na compra de vacinas e na investigação de Bolsonaro por prevaricação. Barros, porém, tem peso no Centrão e no Paraná, junta gente para a campanha de Bolsonaro animar a turba “presencial” e a “virtual”.
Após 28 anos de política, para onde tragou três filhos, Bolsonaro casou por conveniência com o PSL (que lucrou com uma gorda bancada na Câmara e um gordo Fundo Partidário), mas saiu em novembro de 2019, não conseguiu criar o Aliança pelo Brasil e tenta o PTB, transmutado de trabalhista para integralista por Roberto Jefferson, ora preso, e o PP de Ciro Nogueira, da Casa Civil, e Arthur Lira, presidente da Câmara. Mas ele não quer entrar num partido, quer engolir o partido.
Assim como passou por uma dezena de siglas, antes do PSL, Bolsonaro também teve uma longa lista de nomes para sua vice em 2018: Janaina Paschoal, Magno Malta, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Augusto Heleno… Deu o general de quatro-estrelas Hamilton Mourão, mas tanto fazia e o desdém migrou da campanha para o governo.
Sem vice, sem partido, sem facada, sem nenhuma das bandeiras de 2018 e com o rastro de destruição na pandemia, no ambiente, na educação, na cultura, na política externa, nas relações federativas, no equilíbrio institucional, o que sobra para Bolsonaro dizer numa campanha? Que a economia está uma maravilha, os preços estão lá embaixo, a fome e a miséria não estão de volta?
E tem a CPI… O relatório final será anunciado ao Brasil e ao mundo nos dias 19 e 20, com dados, depoimentos, trocas de mensagens e 600 mil mortos, provando o quanto Bolsonaro trabalhou contra isolamento social, máscaras e vacinas e a favor de remédios comprovadamente ineficazes – em alguns casos, perigosos. Ou seja: como trabalhou a favor do coronavírus e contra a vida.
Pela guinada dos senadores e depoentes bolsonaristas na CPI, a estratégia é dobrar a aposta no negacionismo e na fantasia do comunismo, culpando governadores pela crise econômica, o Supremo pela inação dolosa do governo e insistindo na tese da “imunidade de rebanho”. A queda de contaminações, internações e mortes é resultado direto das vacinas, não dessa enganação, mas a verdade cristalina, reluzente, interessa ao real rebanho?
Assim, a reeleição não será fácil, porque é vazia de conteúdo, se sustenta só na forma e o que não falta à oposição é munição. Entretanto, a lição de 2018 não deve ser desprezada: o que conta não é a realidade, é a manipulação dela. E, agora, Bolsonaro tem o cargo, a caneta e um quarto da população anestesiada. Não subestimem Bolsonaro e seus estrategistas.
COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA