PF investiga 4 parlamentares por venda de emenda
Três deputados e um senador são suspeitos de cobrar comissão para indicar recursos do orçamento secreto; ministro já admitiu ‘não ter dúvidas’ de que há corrupção
A Polícia Federal investiga pelo menos três deputados e um senador sob suspeita de participarem de um esquema de “venda” de emendas parlamentares no Congresso. Um deles é o deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA), que já foi alvo de operação no fim do ano passado por desvios de dinheiro público em contratos da área da saúde firmados entre prefeituras e empresas do próprio deputado. Os nomes dos demais investigados ainda estão sob sigilo.
Como o Estadão mostrou na quarta-feira, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, admitiu, em audiência na Câmara, “não ter dúvida” de que há corrupção envolvendo recursos federais indicados por parlamentares via emendas. Ao ser questionado sobre o orçamento secreto, esquema montado pelo governo de Jair Bolsonaro para aumentar sua base eleitoral no Congresso, Rosário afirmou que sua pasta e a PF investigam a venda de emendas e que, em breve, deve haver novidades.
Há pelo menos dois inquéritos sigilosos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar o esquema, batizado de “feirão das emendas” por deputados e assessores. A suspeita é de que parlamentares cobram comissão para indicar recursos do Orçamento a uma determinada prefeitura. O dinheiro seria pago por empresas interessadas nas obras e serviços ou pelo próprio agente público.
No caso de Maranhãozinho, a Operação Descalabro, deflagrada em dezembro, apontou que ele indicou um total de R$ 15 milhões em emendas para fundos de saúde controlados por prefeituras maranhenses, que, por sua vez, firmaram contratos fictícios com empresas de fachada em nome de laranjas. O destinatário final do dinheiro, de acordo com a investigação, seria o próprio deputado.
“Posteriormente essas empresas efetuaram saques em espécie e o dinheiro era entregue ao deputado, no seu escritório regional parlamentar em São Luís”, afirma relatório da PF sobre a operação.
Bloqueio
Ao autorizar a investigação, o ministro-relator no Supremo, Ricardo Lewandowski, determinou o bloqueio de mais de R$ 6 milhões em patrimônio do parlamentar. Anteontem, Maranhãozinho também foi alvo de operação da Polícia Civil e do Ministério Público maranhense que investiga suspeita de fraude em licitações R$ 160 milhões envolvendo uma de suas empresas.
Como desdobramento da Operação Descalabro, um novo inquérito foi aberto, em maio. Desta vez, além de Maranhãozinho, mais dois deputados e um senador são alvo. Procurado ontem pela reportagem, Maranhãozinho não se manifestou sobre o assunto.
Em uma das investigações, a PF encontrou papéis com nomes de parlamentares e menções a possíveis pagamentos de propina pela destinação de emendas parlamentares. O caso teve origem em denúncia feita pelo ex-prefeito de São José de Ribamar (MA), Eudes Sampaio, que se disse ameaçado por agiotas que buscavam obter porcentuais de recursos transferidos para a prefeitura.
Versão
A menção do ministro da CGU a investigações sobre vendas de emendas representou uma mudança de postura do governo em relação a irregularidades envolvendo a destinação de recursos via orçamento secreto, caso revelado pelo Estadão em maio. Se, no início, o discurso de ministros e do presidente Jair Bolsonaro era de que não havia nada de errado, agora o próprio chefe da CGU admite falta de transparência sobre os parlamentares por trás das indicações, mas joga a responsabilidade para o Congresso.
Chamado de “tratoraço” por envolver a compra de tratores, o esquema do orçamento secreto tem ajudado Bolsonaro a manter uma base fiel no Congresso e, com isso, escapar de processos de impeachment. Bilhões de reais foram distribuídos para um grupo de deputados e senadores que determinaram o que fazer com o dinheiro sem qualquer critério técnico ou transparência.
O esquema funciona com um conluio entre governo e parlamentares. O Palácio do Planalto escolhe para quem vai liberar dinheiro do orçamento secreto e aceita que o parlamentar indique o valor e o que deve ser feito com o montante, incluindo a cidade que irá receber. Em troca, o deputado ou senador favorecido apoia o governo no Congresso.
Segundo o Estadão apurou com integrantes do governo, a estratégia de ministros de tentar “terceirizar” a responsabilidade nos casos de irregularidade no orçamento secreto começou a ser traçada ainda em maio. Após as reportagens do Estadão, o ministro Rogério Marinho teve de se explicar a Bolsonaro. Em uma conversa, disse que, se houvesse qualquer problema, seria “na ponta”, ou seja, na execução de emendas por prefeitos, em conchavo com os parlamentares.
Um exemplo dessa mudança de discurso foi dado por Rosário na audiência da Câmara de anteontem. Ao tratar da falta de critérios dos ministérios para liberação de recursos, o ministros disse que “hoje o governo está seguindo o que o relator (do Orçamento no Congresso) indica”. E admitiu não saber quem são os parlamentares responsáveis por indicar recursos via emenda de relator-geral, que compõe o orçamento secreto. “Se o Parlamento não me informar quem está beneficiado, eu não sei”, disse o ministro.
Em setembro, Bolsonaro também adaptou o discurso. Após passar meses repetindo não haver corrupção no governo, disse que, se houver algum caso, a culpa não é dele. “Eliminou-se a corrupção? Obviamente que não. Podem acontecer problemas em alguns ministérios? Podem, mas não será da vontade nossa”, disse ele em evento da Caixa que marcou os mil dias de mandato.
Após a publicação da reportagem, o deputado Josimar Maranhãozinho entrou em contato e disse que a PF não comprovou nenhuma irregularidade. “Muitas prefeituras me enviaram relatórios apontando que executaram os recursos adequadamente e, em outras, o dinheiro ainda estava em conta”, disse ele, questionando que tenha havido desvios. Segundo ele, os R$ 2 milhões apreendidos na Operação Descalabro tinha origem em negócios pessoais, como a pecuária. Ele disse que tinha declarado R$ 1,6 milhão e o demais era para movimentações de compra e venda de gado.
Nossa opinião
- Essa história é antiga. Na crônica política da Paraíba contam um episódio que teria acontecido há alguns anos atrás. Determinado parlamentar havia conseguido verbas volumosas para construção de uma grande obra no Estado. E contava com a comissão que a empresa que executaria a obra lhe pagaria para com ela financiar parte da sua campanha ao Governo do Estado. Quando o dinheiro foi liberado para o pagamento à executante da obra, o pré-candidato teria procurado dirigentes da empresa para cobrar o que lhe “deviam”, quando foi informado que o Governador já havia recebido o dinheiro. Por conta disso, teria acontecido uma discussão acalorada entre o parlamentar e o gestor que terminou com o parlamentar anunciando a desistência de sua candidatura ao governo. Não citamos nomes por que não sabemos se os fatos realmente aconteceram. Mas na mesma época, numa fiscalização em uma obra que se construía na região, ao cobrar da empresa a regularização de salários que estavam sendo pagos com grande atraso aos seus empregados, um diretor da empresa alegou que recebera apenas a primeira parcela do dinheiro da obra e haviam lhe cobrado todo o montante da “comissão”, por isso atrasara os pagamentos dos seus empregados. E, salvo engano, foi no mesmo governo da história anterior.
- Grande novidade! Há cinquenta anos (quando esse ministro não era nem nascido, afinal ele é trinta anos mais novo do que eu), trabalhando no Banco do Brasil, em Piancó, já ouvia os prefeitos da região dizendo quando custava cada verba que a sua prefeitura recebia. Os pagamentos de comissão eram feitos através de escritórios que conseguiam a liberação das verbas nas repartições de Brasília e uma parte era do escritório e outra parte do parlamentar que destinara a verba. Há uns vinte anos, testemunhei um deputado federal falando ao telefone e cobrando de um empresário a comissão que lhe era devida. Segundo o deputado apesar de a empresa com que acertara para construir a obra ter sido outra, como o interlocutor vencera a licitação, o deputado esperava receber a comissão que fora acertada com a outra empresa.(LGLM)