Sem jornalismo, não há paz

By | 09/10/2021 5:57 am

Na relação entre jornalismo e paz, revela-se também a contribuição do leitor. Ao se informar em fontes confiáveis, ele colabora para um ambiente democrático mais tolerante e mais aberto

 

Nos tempos atuais – em que campanhas de ódio e desinformação esgarçam o tecido social e ameaçam a paz em todos os níveis da sociedade –, é especialmente significativa a escolha da Academia Sueca, concedendo o Prêmio Nobel da Paz de 2021 aos jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia, pela “contribuição essencial de ambos para a liberdade de expressão e pelo jornalismo em seus países”.

O prêmio aos dois jornalistas ressalta um dado fundamental sobre a paz. Ela não é resultado apenas de grandes acordos políticos ou de atos heroicos de solidariedade e compaixão em situações extremas, como fizeram, de forma admirável, tantos homenageados com o Nobel da Paz; por exemplo, Madre Teresa de Calcutá (1979), Lech Walesa (1983), Nelson Mandela (1993), Yitzhak Rabin (1994) ou Malala Yousafzai (2014). A paz é também fruto da informação confiável, produzida pelo jornalismo. Segundo a academia, a liberdade de expressão “é condição prévia para a democracia e para uma paz duradoura”.

A ignorância e a desinformação são desagregadoras, dificultando, ou mesmo impedindo, o diálogo e a interação com quem pensa de forma diferente. E essa dificuldade não se apresenta apenas em relação a pessoas distantes, de contextos sociais diversos ou com histórias de vida radicalmente diferentes. A desinformação – cuja principal face são as fake news, mas não se resume a elas – tem produzido silêncios, conflitos e rupturas no seio de muitas famílias.

Sempre houve circulação de mentiras, com tentativas de manipulação. Mas a difusão massiva de desinformação, proporcionada pelas novas tecnologias e redes sociais, produziu no mundo inteiro um novo fenômeno social, com efeitos sobre toda a sociedade. Não raro, tem-se a impressão de que já não existiria uma base mínima consensual de racionalidade e de respeito aos fatos.

Não é que se avançou em inteligência, conhecimento ou capacidade crítica. Tudo isso foi relegado a um segundo plano. Nos dias de hoje, o que parece importar cada vez mais é a mera adesão subjetiva ao postulado que agrada e ratifica mais intensamente o que cada um já pensa, postulado esse que, muitas vezes, é o que mais distorce e confunde. Longe de contribuir para a autonomia e a cidadania, esse ambiente é especialmente suscetível à manipulação.

Diante de tais perigos, que dificultam a paz, o jornalismo oferece um importante antídoto, ao trazer informação confiável, com fatos apurados e checados com isenção e profissionalismo. “Liberdade de expressão e de informação são fundamentais para o funcionamento da democracia e para evitar guerras e conflitos”, afirmou a entidade responsável pelo Nobel.

A dimensão de resistência e de paz é nítida nas trajetórias profissionais dos dois jornalistas laureados. Maria Ressa é cofundadora do Rappler, principal site de notícias que lidera a luta pela liberdade de imprensa nas Filipinas e o combate à desinformação. Por sua atuação à frente do Rappler, Maria Ressa enfrenta constante assédio político e já foi detida pelo governo. “Ressa usa a liberdade de expressão para expor o abuso de poder, o uso da violência e o crescente autoritarismo em seu país natal, as Filipinas”, afirmou a Academia Sueca.

Dmitri Muratov é fundador e editor-chefe do Novaya Gazeta, jornal crítico ao governo Putin. Seis jornalistas que trabalhavam no Novaya Gazeta foram assassinados em situações suspeitas. Em 2007, Muratov ganhou o Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa do Comitê para Proteção dos Jornalistas. Os laureados “são representantes de todos os jornalistas que defendem este ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”, disse a academia.

Na relação entre jornalismo e paz, revela-se também a contribuição do leitor nessa empreitada de civilidade. Ao se informar em fontes confiáveis, ele colabora decisivamente para um ambiente democrático mais tolerante e mais aberto, menos tóxico e mais pacífico. A liberdade de expressão alicerça o caminho da paz.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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