Na relação entre jornalismo e paz, revela-se também a contribuição do leitor. Ao se informar em fontes confiáveis, ele colabora para um ambiente democrático mais tolerante e mais aberto
Nos tempos atuais – em que campanhas de ódio e desinformação esgarçam o tecido social e ameaçam a paz em todos os níveis da sociedade –, é especialmente significativa a escolha da Academia Sueca, concedendo o Prêmio Nobel da Paz de 2021 aos jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia, pela “contribuição essencial de ambos para a liberdade de expressão e pelo jornalismo em seus países”.
O prêmio aos dois jornalistas ressalta um dado fundamental sobre a paz. Ela não é resultado apenas de grandes acordos políticos ou de atos heroicos de solidariedade e compaixão em situações extremas, como fizeram, de forma admirável, tantos homenageados com o Nobel da Paz; por exemplo, Madre Teresa de Calcutá (1979), Lech Walesa (1983), Nelson Mandela (1993), Yitzhak Rabin (1994) ou Malala Yousafzai (2014). A paz é também fruto da informação confiável, produzida pelo jornalismo. Segundo a academia, a liberdade de expressão “é condição prévia para a democracia e para uma paz duradoura”.
A ignorância e a desinformação são desagregadoras, dificultando, ou mesmo impedindo, o diálogo e a interação com quem pensa de forma diferente. E essa dificuldade não se apresenta apenas em relação a pessoas distantes, de contextos sociais diversos ou com histórias de vida radicalmente diferentes. A desinformação – cuja principal face são as fake news, mas não se resume a elas – tem produzido silêncios, conflitos e rupturas no seio de muitas famílias.
Sempre houve circulação de mentiras, com tentativas de manipulação. Mas a difusão massiva de desinformação, proporcionada pelas novas tecnologias e redes sociais, produziu no mundo inteiro um novo fenômeno social, com efeitos sobre toda a sociedade. Não raro, tem-se a impressão de que já não existiria uma base mínima consensual de racionalidade e de respeito aos fatos.
Não é que se avançou em inteligência, conhecimento ou capacidade crítica. Tudo isso foi relegado a um segundo plano. Nos dias de hoje, o que parece importar cada vez mais é a mera adesão subjetiva ao postulado que agrada e ratifica mais intensamente o que cada um já pensa, postulado esse que, muitas vezes, é o que mais distorce e confunde. Longe de contribuir para a autonomia e a cidadania, esse ambiente é especialmente suscetível à manipulação.
Diante de tais perigos, que dificultam a paz, o jornalismo oferece um importante antídoto, ao trazer informação confiável, com fatos apurados e checados com isenção e profissionalismo. “Liberdade de expressão e de informação são fundamentais para o funcionamento da democracia e para evitar guerras e conflitos”, afirmou a entidade responsável pelo Nobel.
A dimensão de resistência e de paz é nítida nas trajetórias profissionais dos dois jornalistas laureados. Maria Ressa é cofundadora do Rappler, principal site de notícias que lidera a luta pela liberdade de imprensa nas Filipinas e o combate à desinformação. Por sua atuação à frente do Rappler, Maria Ressa enfrenta constante assédio político e já foi detida pelo governo. “Ressa usa a liberdade de expressão para expor o abuso de poder, o uso da violência e o crescente autoritarismo em seu país natal, as Filipinas”, afirmou a Academia Sueca.
Dmitri Muratov é fundador e editor-chefe do Novaya Gazeta, jornal crítico ao governo Putin. Seis jornalistas que trabalhavam no Novaya Gazeta foram assassinados em situações suspeitas. Em 2007, Muratov ganhou o Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa do Comitê para Proteção dos Jornalistas. Os laureados “são representantes de todos os jornalistas que defendem este ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”, disse a academia.
Na relação entre jornalismo e paz, revela-se também a contribuição do leitor nessa empreitada de civilidade. Ao se informar em fontes confiáveis, ele colabora decisivamente para um ambiente democrático mais tolerante e mais aberto, menos tóxico e mais pacífico. A liberdade de expressão alicerça o caminho da paz.