Quando a ignorância fala mais alto

By | 04/11/2021 10:06 am

Portaria 620 fere a jurisprudência constitucional, afronta o interesse público e ignora a reforma trabalhista

(Editorial dO Estadão, em 04/11/2021)
Editada no dia 1.º de novembro, a Portaria 620 do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) proibindo a exigência pelos empregadores de certificado de vacinação de seus funcionários é manifestação de exercício abusivo do poder, que fere a jurisprudência constitucional, ultrapassa as competências do Executivo federal, afronta o interesse público, ignora a reforma trabalhista e cria desincentivo para a vacinação, que é a medida mais eficaz para a superação da pandemia e a retomada das atividades econômicas. Poucas medidas expressam de forma tão fidedigna a incapacidade do governo Bolsonaro de atuar com sentido comum.

Em dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade da vacinação obrigatória. Em questões de saúde pública, a pretensão individual não pode prevalecer sobre o interesse público. Na ocasião, o Supremo afirmou que a obrigatoriedade da vacinação pode ser implementada por medidas indiretas, como a restrição ao exercício de certas atividades ou à presença em determinados lugares. O governo Bolsonaro contraria, portanto, orientação expressa do STF, que tem sido aplicada, de forma pacífica e recorrente, pela Justiça do Trabalho, em suas várias instâncias.

Além disso, é competência do Legislativo – e não do Executivo – fixar novas proibições, como fez indevidamente a Portaria 620. Sem dispor de fundamento legal, o ato do Executivo federal cria uma limitação na relação entre empregador e empregado. Nesse sentido, a medida do governo Bolsonaro é também contrária ao espírito da reforma trabalhista, que veio ampliar – e não restringir – o espaço de liberdade negocial nas relações trabalhistas. A contradição é patente. O governo dito liberal inventa mais uma interferência entre empregador e empregado.

Não bastassem tais vícios – o Executivo federal não dispõe de competência para criar proibição, ainda mais em sentido contrário à orientação do Supremo –, a Portaria 620 ignora o interesse público. Como lembrou a nota da Fecomercio-SP sobre o ato do governo Bolsonaro, “entendemos que há prevalência do interesse coletivo sobre o individual, ou seja, a empresa é obrigada a preservar a saúde e o interesse coletivo do ambiente do trabalho”. Em tempos de pandemia, é medida de elementar prudência assegurar que todos tenham adotado as medidas disponíveis para proteção individual e coletiva contra a covid-19.

A Portaria 620 não apenas desrespeita o Direito e o interesse público, mas a própria realidade. Ao tentar criar desincentivos para a vacinação, o governo Bolsonaro manifesta profunda ignorância sobre o principal meio disponível de enfrentamento da pandemia. De forma inteiramente irracional, finge não ver que é a vacinação, e não as bravatas ideológicas, que permitiu retomar as atividades econômicas e sociais.

De maneira insistente, o governo Bolsonaro pratica a ignorância. Agora, pretende impor o mesmo jeito de trabalhar ao setor privado. Haja paciência.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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