Problemas sociais ficaram mais graves por causa da pandemia, mas o governo poderia ter reduzido seu impacto
A dor de centenas de milhares, talvez milhões, de brasileiros que perderam familiares e amigos vitimados pela pandemia de covid-19 será, por certo, uma das lembranças mais marcantes que sobreviverão a esse difícil período por que passou, e ainda passa, o Brasil. O terrível drama em que foram lançados outros milhões e milhões de compatriotas por causa da intensidade do impacto da pandemia sobre a vida social e econômica do País será outro dos símbolos destes tempos.
Era sabido que a vida tinha piorado para todos, mas as estatísticas que dão a dimensão da degradação do quadro social na pandemia impressionam. O rendimento médio real de todas as fontes do brasileiro diminuiu 3,4%, tendo passado de R$ 2.292 em 2019 para R$ 2.213 em 2020.
Num país já pobre, as pessoas ficaram mais pobres e caiu expressivamente a parcela da renda do trabalho no orçamento das famílias. O auxílio emergencial pago pelo governo no ano passado evitou que o problema ficasse ainda pior, substituindo, nas rendas familiares, uma parte da fatia que o desemprego levou embora.
Na pandemia, 8,1 milhões de brasileiros deixaram de ter renda proveniente do mercado de trabalho – o número de pessoas com renda do trabalho diminuiu de 92,8 milhões em 2019 para 84,7 milhões em 2020. O grupo de pessoas que recebiam aposentadoria e pensão encolheu de 13% para 12,4% da população. Pode ser efeito da mortalidade da covid-19 combinada com o represamento de pedidos pelo INSS, por causa do fechamento das agências no período de isolamento social.
Já a proporção de domicílios em que pelo menos um de seus moradores recebe benefício de outros programas sociais saltou de 0,7% em 2019 para 23,7% no ano passado. O aumento se deve ao pagamento do auxílio emergencial, incluído pelo IBGE na categoria de “outros programas sociais”. Em compensação, diminuiu de 14,3% para 7,2% a proporção das famílias que recebiam o Bolsa Família, porque parte dos beneficiários desse programa passou a receber o auxílio emergencial.
Soa irônico que a desigualdade de renda do trabalho tenha diminuído num cenário de notória degradação da situação financeira das famílias. O índice de Gini – que mede a desigualdade de renda e quanto mais próximo de zero mostra menor concentração – caiu de 0,544 em 2019 para 0,524 em 2020. Trata-se de um fenômeno estatístico. A renda diminuiu para praticamente todas as faixas de renda, mas diminuiu menos nas mais baixas, por causa do auxílio emergencial, daí a redução da distância entre elas.
“Houve redução da desigualdade porque todo mundo perdeu, não é porque alguns estão ganhando”, destaca a analista do IBGE Alessandra Scalioni Brito. “É uma notícia que parece boa, mas não é.” A concentração de renda no Brasil continua expressiva. O rendimento mensal do grupo de 1% dos brasileiros com a renda mais alta é 35 vezes maior do que o dos 50% de brasileiros mais pobres.
Se o governo do presidente Jair Bolsonaro não tivesse tratado o grave problema de saúde pública com descaso por alguns considerado criminoso, nem o número de vítimas da pandemia seria tão alto nem a crise teria sido tão aguda e tão longa. O desgoverno tornou as coisas piores.
Embora o governo diga que a recuperação do mercado de trabalho é vigorosa, o desemprego continua a afetar a vida das famílias e retarda a recuperação econômica. A taxa de desocupação mantém-se em torno de 13%, há milhões de trabalhadores subutilizados e outros que, diante da persistente falta de oportunidades, estão desalentados e nem sempre saem à procura de trabalho. O aumento de vagas com carteira assinada, embora expressivo, não é suficiente para melhorar esse cenário. Não há sinais de que o quadro possa mudar nos próximos meses nem de que a recuperação econômica se intensifique. Estatísticas sobre a renda em 2021 talvez não sejam tão sombrias quanto as de 2020, mas dificilmente serão muito mais animadoras.