A pobreza que a pandemia ampliou

By | 20/11/2021 9:25 am

Problemas sociais ficaram mais graves por causa da pandemia, mas o governo poderia ter reduzido seu impacto

(Editorial do Estadão, em 20/11/2021)

A dor de centenas de milhares, talvez milhões, de brasileiros que perderam familiares e amigos vitimados pela pandemia de covid-19 será, por certo, uma das lembranças mais marcantes que sobreviverão a esse difícil período por que passou, e ainda passa, o Brasil. O terrível drama em que foram lançados outros milhões e milhões de compatriotas por causa da intensidade do impacto da pandemia sobre a vida social e econômica do País será outro dos símbolos destes tempos.

Era sabido que a vida tinha piorado para todos, mas as estatísticas que dão a dimensão da degradação do quadro social na pandemia impressionam. O rendimento médio real de todas as fontes do brasileiro diminuiu 3,4%, tendo passado de R$ 2.292 em 2019 para R$ 2.213 em 2020.

Mesmo com o reforço do auxílio emergencial e de outras medidas de apoio à atividade econômica, a crise tirou R$ 10,6 bilhões do rendimento das famílias, segundo o IBGE.

Num país já pobre, as pessoas ficaram mais pobres e caiu expressivamente a parcela da renda do trabalho no orçamento das famílias. O auxílio emergencial pago pelo governo no ano passado evitou que o problema ficasse ainda pior, substituindo, nas rendas familiares, uma parte da fatia que o desemprego levou embora.

Na pandemia, 8,1 milhões de brasileiros deixaram de ter renda proveniente do mercado de trabalho – o número de pessoas com renda do trabalho diminuiu de 92,8 milhões em 2019 para 84,7 milhões em 2020. O grupo de pessoas que recebiam aposentadoria e pensão encolheu de 13% para 12,4% da população. Pode ser efeito da mortalidade da covid-19 combinada com o represamento de pedidos pelo INSS, por causa do fechamento das agências no período de isolamento social.

Já a proporção de domicílios em que pelo menos um de seus moradores recebe benefício de outros programas sociais saltou de 0,7% em 2019 para 23,7% no ano passado. O aumento se deve ao pagamento do auxílio emergencial, incluído pelo IBGE na categoria de “outros programas sociais”. Em compensação, diminuiu de 14,3% para 7,2% a proporção das famílias que recebiam o Bolsa Família, porque parte dos beneficiários desse programa passou a receber o auxílio emergencial.

Soa irônico que a desigualdade de renda do trabalho tenha diminuído num cenário de notória degradação da situação financeira das famílias. O índice de Gini – que mede a desigualdade de renda e quanto mais próximo de zero mostra menor concentração – caiu de 0,544 em 2019 para 0,524 em 2020. Trata-se de um fenômeno estatístico. A renda diminuiu para praticamente todas as faixas de renda, mas diminuiu menos nas mais baixas, por causa do auxílio emergencial, daí a redução da distância entre elas.

“Houve redução da desigualdade porque todo mundo perdeu, não é porque alguns estão ganhando”, destaca a analista do IBGE Alessandra Scalioni Brito. “É uma notícia que parece boa, mas não é.” A concentração de renda no Brasil continua expressiva. O rendimento mensal do grupo de 1% dos brasileiros com a renda mais alta é 35 vezes maior do que o dos 50% de brasileiros mais pobres.

Se o governo do presidente Jair Bolsonaro não tivesse tratado o grave problema de saúde pública com descaso por alguns considerado criminoso, nem o número de vítimas da pandemia seria tão alto nem a crise teria sido tão aguda e tão longa. O desgoverno tornou as coisas piores.

Embora o governo diga que a recuperação do mercado de trabalho é vigorosa, o desemprego continua a afetar a vida das famílias e retarda a recuperação econômica. A taxa de desocupação mantém-se em torno de 13%, há milhões de trabalhadores subutilizados e outros que, diante da persistente falta de oportunidades, estão desalentados e nem sempre saem à procura de trabalho. O aumento de vagas com carteira assinada, embora expressivo, não é suficiente para melhorar esse cenário. Não há sinais de que o quadro possa mudar nos próximos meses nem de que a recuperação econômica se intensifique. Estatísticas sobre a renda em 2021 talvez não sejam tão sombrias quanto as de 2020, mas dificilmente serão muito mais animadoras.

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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