Ex-juiz falou como pré-candidato neste sábado em congresso do MBL e reiterou críticas a Bolsonaro e a Lula
O ex-juiz Sergio Moro (Podemos) afirmou em discurso neste sábado (20) para uma plateia amigável à sua pré-candidatura à Presidência em 2022, no congresso anual do MBL (Movimento Brasil Livre), que se eleito buscará manter diálogo com o Congresso e que há “pessoas boas” em todos os partidos.
“Para governar e se ter um projeto que possa ser realizado, o diálogo é necessário. Então, tem que conversar com todo o mundo. E em todos os partidos, esquerda, direita, centro, centrão, tem pessoas boas, tem pessoas com as quais se pode conversar e construir um projeto”, disse.
Foi a primeira aparição de Moro para uma audiência mais ampla depois de sua filiação ao Podemos, no último dia 10. Ovacionado desde o momento em que pisou no palco até a saída, ele respondeu a perguntas do apresentador Danilo Gentili, que fez uma entrevista em tom amistoso.
O ex-magistrado e ex-ministro do governo Jair Bolsonaro (sem partido) também disparou críticas ao atual mandatário e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de quem foi algoz na Operação Lava Jato. Ele se referiu aos dois como “extremos da corrupção, do autoritarismo, da incompetência”.
Moro abandonou a magistratura para assumir o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, com quem se desentendeu, passando a ser alvo da militância bolsonarista, sob as pechas de traidor e até comunista.
Neste sábado, Moro reforçou a campanha pela chamada terceira via, que já havia marcado o primeiro dia do evento, na sexta (19). O encontro do MBL, em um espaço na Mooca (zona leste da capital paulista), teve cerca de 1.500 inscritos para o sábado, ante 1.200 da data anterior, segundo a organização.
O ex-juiz abordou a relação com o Congresso ao ser questionado por Gentili sobre a afirmação, dada à agência de notícias Bloomberg, de que “há pessoas boas no centrão”. A governabilidade sob uma eventual administração dele é colocada em xeque pela inexperiência e pela rejeição de parlamentares.
“Há uma linha a ser traçada que não será ultrapassada mesmo na formação de alianças políticas. Outros já falaram isso no passado, mas eu posso dizer, e pedindo a confiança de vocês, que eu tenho credibilidade para afirmar isso”, disse, sem detalhar o tal limite.
O pré-candidato do Podemos deu como garantia de sua palavra a decisão de romper com o atual governo, em abril de 2020, alegando interferências. “Isso [ter saído do governo por discordar de Bolsonaro] me dá tranquilidade para dizer que eu não transigirei com os princípios e valores.”
Segundo ele, o Podemos funcionaria como sua base, mas haveria a possibilidade de estabelecer diálogo em torno de pautas com outras siglas. Essa avaliação, no entanto, é cercada de ceticismo por parte de líderes de algumas das bancadas do Congresso, que apontam resistências ao ex-juiz.
Moro disse haver “em todos os partidos” pessoas favoráveis a pautas que compartilha com o Podemos, como fim do foro especial e prisão após condenação em segunda instância. “É possível construir um grupo, uma base sólida, para gerar governabilidade fundada em projetos, princípios e valores.”
O ex-magistrado da Lava Jato usou a aparição no evento do MBL para buscar dar demonstrações de que está ampliando seu discurso de pré-candidato para além da questão do combate à corrupção. Mencionou mais de uma vez a crise econômica e disse ser necessário recuperar também outras áreas.
“Há outras prioridades, como o combate à pobreza. Mas nós não vamos negligenciar, como outros fizeram, o combate à corrupção”, afirmou, tentando conciliar a bandeira que o projetou com a discussão de assuntos que surgirão no debate eleitoral.
Moro é pressionado a apresentar suas ideias sobre outras questões, principalmente economia —nos últimos dias, ele anunciou o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore como seu principal conselheiro para o tema. No palco do MBL, o presidenciável foi genérico ao tratar da pauta.
“O Brasil, na verdade, faz uns 30 anos que está nessa armadilha que a gente chama do crescimento baixo, da renda média. E nós crescemos ouvindo que o Brasil era o país do futuro”, disse, sem propor caminhos. Ele revelou estar “construindo um projeto consistente” e procurando especialistas para auxiliá-lo.
Moro fez um aceno discreto na direção da unidade pregada por outros postulantes e entusiastas da terceira via. Essa foi a tônica dos quatro pré-candidatos que estiveram no encontro do MBL no dia anterior —João Doria, Eduardo Leite (ambos do PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Luiz Felipe d’Ávila (Novo).
“Vou dizer com muita humildade: estou apresentando meu nome, estamos construindo esse projeto, queremos aglutinar, trazer outras pessoas, somar, e evitar esses extremos […]. Se nós somos ou não o melhor nome, eu acho que é a população brasileira que vai poder discutir isso e deliberar”, discursou.
Ensaiando um novo estilo de oratória, mais próximo do tom de pré-candidato, Moro surgiu mais sorridente do que de costume e fez piadas com Gentili, que é alinhado ao MBL, e com líderes do grupo. Com braços na política institucional, o movimento discute embarcar na campanha do presidenciável.
Quebrando o clima festivo, o ex-juiz foi provocado a relembrar um episódio constrangedor: a ocasião em que chamou de “tontos” alguns integrantes do MBL. A expressão foi usada em uma mensagem trocada por ele com integrantes da Lava Jato e veio à tona com a revelação das conversas, em 2019.
Moro já havia pedido desculpas aos integrantes da organização, mas Gentili quis saber se ele ainda pensa assim. “Não, de forma nenhuma, de forma nenhuma”, respondeu, entre risos. “Eu tenho uma grande admiração, na verdade, pelo MBL, pelo movimento. Não tem nada disso”, completou.
A rejeição a Bolsonaro e Lula é um traço em comum entre membros e simpatizantes do MBL. Avessos ao PT, eles se frustraram com o apoio dado à eleição de Bolsonaro. Consideram que ele traiu a promessa de fazer uma gestão liberal e os desapontou com práticas semelhantes às da era petista.
Moro, que se inclui no time dos decepcionados, disse no evento que não se arrepende de ter entrado para o governo. Ele reiterou ter aceitado o convite só após o resultado da eleição e com a intenção de avançar na agenda anticorrupção, mas hoje em dia considera ter sido vítima de sabotagem.
“O presidente eleito, a gente sabe que era uma pessoa controvertida, mas havia muita gente que achava que poderia dar certo. Claro que, tendo conhecimento depois do que aconteceu, talvez eu não tivesse tomado essa decisão, mas não tinha essas informações ali em 2018”, justificou.
Ao rebater ataques de Lula e do PT, Moro repetiu, em sua defesa, que a condenação do ex-presidente foi confirmada por tribunais superiores e classificou como “um erro judiciário” a declaração de parcialidade decidida pela Segunda Turma e confirmada pelo plenário do STF (Supremo Tribunal Federal).
O ex-juiz repudiou o que chamou de “tentativa de revisionismo histórico“. “As pessoas sabem a verdade do que aconteceu, e os fatos são incontestáveis. Durante os governos do Partido dos Trabalhadores, tivemos os maiores escândalos de corrupção, o mensalão e o petrolão”, afirmou, sob aplausos.
Moro riu quando Gentili, irônico, indagou como ele se sente por ter levado à prisão “a alma mais honesta que o Brasil já conheceu”, em alusão a Lula. O ex-magistrado respondeu que, ao contrário do que insinua o ex-presidente, “um juiz não tem satisfação pessoal” em condenar ou prender alguém.
“Fiz meu trabalho. Decidi segundo a minha consciência. Foi um trabalho institucional”, resumiu, acrescentando que a Lava Jato descobriu “um sistema organizado de corrupção, que durou anos e alimentava tanto enriquecimento ilícito de agentes da Petrobras quanto de políticos”.
O 6º congresso anual do MBL ocorreu em um extenso espaço na Mooca que costuma receber festas e shows. Espalhados em áreas ventiladas, os participantes, na maioria homens, se dividiam entre os painéis e outras atividades. O ingresso custou R$ 200 por dia (ou R$ 300 pelos dois dias).
Com clima informal, o lugar tinha food trucks de comida e cerveja. Lojinhas espalhadas pelo local vendiam livros sobre o movimento e produtos como um boné azul que emula aquele popularizado na campanha de Donald Trump nos Estados Unidos, só que com a inscrição “Faça o Brasil livre, p0#@!”.
Também foram colocadas à venda camisetas com a expressão “Nem Lula nem Bolsonaro”, que esteve no centro da controvérsia que antecedeu a esvaziada manifestação contra Bolsonaro convocada pelo MBL para 12 de setembro.
Na época, o mote associado à defesa da chamada terceira via na eleição presidencial de 2022 foi uma das razões apontadas por setores da esquerda, sobretudo do PT, para evitar a adesão à marcha.
RAIO-X
MBL (Movimento Brasil Livre)
Ano de fundação: 2014
Histórico: Surgido como um movimento em defesa do liberalismo, convocou protestos contra o PT e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Desde 2016 tem braços na política institucional, com membros eleitos com o apoio do grupo
Principais líderes: Kim Kataguiri, Renan Santos, Arthur do Val
Membros com mandato: quatro vereadores, entre eles Rubinho Nunes (PSL-SP); um deputado estadual, Arthur do Val, o Mamãe Falei (Patriota-SP); um deputado federal, Kim Kataguiri (DEM-SP)