O jornalismo ainda mais necessário
Perante um governo hostil à transparência e aos fatos, o jornalismo torna-se ainda mais relevante. Sem a imprensa, o orçamento secreto ainda estaria funcionando
Longe de ser simbólica, a oposição de Jair Bolsonaro contra a imprensa tem efeitos muito concretos sobre o País. Por exemplo, para que a população tivesse acesso a informações sobre os números da pandemia, foi preciso que empresas de comunicação, por meio de um consórcio, coletassem diariamente os dados relativos à saúde pública. O governo federal recusou-se a fornecê-los. Perante tal cenário, é de perguntar: como seria ter de enfrentar a pandemia sem a imprensa? O que seria se cada cidadão tivesse, como fontes de informação, apenas o governo e os blogs alinhados ao Palácio do Planalto? Jair Bolsonaro tentou esconder até mesmo o número de mortes diárias pela covid no País.
Outra área em que se destaca a relevância do jornalismo independente são as finanças públicas. Foi preciso uma investigação do Estado, realizada ao longo de meses, para que a população tivesse conhecimento sobre o modo como o governo de Jair Bolsonaro transfere verbas públicas para interesses de parlamentares aliados. O esquema conhecido como orçamento secreto revela a falta de transparência do governo federal. Sem o trabalho da imprensa, não se saberia que, em meio a uma grave crise fiscal e à pandemia, o Executivo federal vinha destinando, sem transparência e sem os devidos controles, recursos públicos para finalidades escolhidas por alguns parlamentares.
Não é de estranhar, portanto, que o bolsonarismo seja tão avesso à imprensa. Foi o jornalismo que revelou, por exemplo, a liberação recorde de verbas para parlamentares às vésperas da votação da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados. Reportagem do Estado mostrou que, nos dias prévios ao primeiro turno, o governo Bolsonaro distribuiu, por meio de emendas, R$ 1,2 bilhão a deputados.
Desde o início do governo, Jair Bolsonaro faz uma live semanal, simulando uma prestação de contas à população sobre o Executivo federal. Alguma vez o presidente expôs que era assim, à base de emendas de relator, que seu governo vinha negociando apoio parlamentar?
Era tão absurdo o esquema de repasse de verbas que o Supremo Tribunal Federal (STF), depois de ser acionado, suspendeu a execução das emendas de relator deste ano e determinou medidas para prover um patamar mínimo de transparência. Ou seja, não fosse o trabalho da imprensa, estaria ainda em funcionamento um sistema oculto de destinação de verbas, no qual o presidente da República – eleito com a bandeira de uma nova política – vinha obtendo apoio político por meio de repasse personalíssimo de dinheiro público a alguns parlamentares.
Há diversas instâncias de controle, próprias de um Estado Democrático de Direito. Entre outros, há Ministério Público, Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). No entanto, mesmo com todos eles funcionando, sem o trabalho da imprensa, o governo Bolsonaro continuaria destinando verbas de maneira não transparente para interesses de alguns parlamentares.
Ainda que lamentável, não é de estranhar que Jair Bolsonaro critique tanto a imprensa. Estranho seria se a imprensa, acanhando-se perante um governo hostil à transparência e aos fatos, não fizesse o seu trabalho. A população tem o direito de saber.