Sem a imprensa, o orçamento secreto ainda estaria funcionando

By | 21/11/2021 8:09 am

O jornalismo ainda mais necessário

Perante um governo hostil à transparência e aos fatos, o jornalismo torna-se ainda mais relevante. Sem a imprensa, o orçamento secreto ainda estaria funcionando

 

Durante a campanha de 2018, Jair Bolsonaro fez da crítica à imprensa uma bandeira política. Depois, ao assumir a Presidência da República, transformou essa hostilidade aos meios de comunicação independentes em política de governo. Bolsonaro chegou a editar medidas provisórias alterando abruptamente as regras de publicação de editais e documentos societários apenas para, assim reconheceu expressamente, prejudicar os órgãos de imprensa.Tudo isso fez aquele que se apresentou como liberal e defensor das liberdades civis. Só enganou quem quis ser enganado, pois Jair Bolsonaro nunca foi um democrata. Sua dedicação política sempre esteve voltada à apologia da ditadura militar e da tortura, o que revela quão obtusa é sua visão não apenas sobre liberdades e garantias fundamentais, mas sobre a própria política e os problemas nacionais.

Longe de ser simbólica, a oposição de Jair Bolsonaro contra a imprensa tem efeitos muito concretos sobre o País. Por exemplo, para que a população tivesse acesso a informações sobre os números da pandemia, foi preciso que empresas de comunicação, por meio de um consórcio, coletassem diariamente os dados relativos à saúde pública. O governo federal recusou-se a fornecê-los. Perante tal cenário, é de perguntar: como seria ter de enfrentar a pandemia sem a imprensa? O que seria se cada cidadão tivesse, como fontes de informação, apenas o governo e os blogs alinhados ao Palácio do Planalto? Jair Bolsonaro tentou esconder até mesmo o número de mortes diárias pela covid no País.

Outra área em que se destaca a relevância do jornalismo independente são as finanças públicas. Foi preciso uma investigação do Estado, realizada ao longo de meses, para que a população tivesse conhecimento sobre o modo como o governo de Jair Bolsonaro transfere verbas públicas para interesses de parlamentares aliados. O esquema conhecido como orçamento secreto revela a falta de transparência do governo federal. Sem o trabalho da imprensa, não se saberia que, em meio a uma grave crise fiscal e à pandemia, o Executivo federal vinha destinando, sem transparência e sem os devidos controles, recursos públicos para finalidades escolhidas por alguns parlamentares.

Não é de estranhar, portanto, que o bolsonarismo seja tão avesso à imprensa. Foi o jornalismo que revelou, por exemplo, a liberação recorde de verbas para parlamentares às vésperas da votação da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados. Reportagem do Estado mostrou que, nos dias prévios ao primeiro turno, o governo Bolsonaro distribuiu, por meio de emendas, R$ 1,2 bilhão a deputados.

Desde o início do governo, Jair Bolsonaro faz uma live semanal, simulando uma prestação de contas à população sobre o Executivo federal. Alguma vez o presidente expôs que era assim, à base de emendas de relator, que seu governo vinha negociando apoio parlamentar?

Era tão absurdo o esquema de repasse de verbas que o Supremo Tribunal Federal (STF), depois de ser acionado, suspendeu a execução das emendas de relator deste ano e determinou medidas para prover um patamar mínimo de transparência. Ou seja, não fosse o trabalho da imprensa, estaria ainda em funcionamento um sistema oculto de destinação de verbas, no qual o presidente da República – eleito com a bandeira de uma nova política – vinha obtendo apoio político por meio de repasse personalíssimo de dinheiro público a alguns parlamentares.

Há diversas instâncias de controle, próprias de um Estado Democrático de Direito. Entre outros, há Ministério Público, Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU). No entanto, mesmo com todos eles funcionando, sem o trabalho da imprensa, o governo Bolsonaro continuaria destinando verbas de maneira não transparente para interesses de alguns parlamentares.

Ainda que lamentável, não é de estranhar que Jair Bolsonaro critique tanto a imprensa. Estranho seria se a imprensa, acanhando-se perante um governo hostil à transparência e aos fatos, não fizesse o seu trabalho. A população tem o direito de saber.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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