Bolsonaro escancara os defeitos dos partidos
Nas negociações para a filiação partidária do presidente, chama a atenção a naturalidade com que se aceita a ausência de discussão sobre ideias e propostas políticas
Felizmente, não é toda a política brasileira que cultiva o padrão Bolsonaro. De toda forma, deve-se reconhecer que Jair Bolsonaro é uma espécie de grande caricatura da política nacional, desvelando seus piores defeitos. Muito se pode entender a partir das negociações envolvendo a filiação partidária do presidente Bolsonaro.
Em razão da completa ausência de consistência programática, os partidos enfrentam problemas bastante peculiares. Por exemplo, enquanto os caciques de uma legenda negociam com Jair Bolsonaro sua possível filiação, parlamentares dessa mesma sigla postulam alinhamento em 2022 com Luiz Inácio Lula da Silva, que em tese seria o arquirrival do presidente da República. Ou seja, uma mesma sigla, que supostamente reúne pessoas com ideias políticas semelhantes, tem apoiadores tanto de Lula como de Bolsonaro.
Ainda que não cause hoje em dia especial escândalo, a falta de identidade ideológica dos partidos deveria ser motivo de profundo lamento. Tem-se um sistema disfuncional. Entidades privadas, regidas por regras especialmente benevolentes e que recebem vultosas verbas públicas, não cumprem suas funções mínimas de mediação e representação política. São meros agrupamentos de pessoas, reunidas sob a exclusiva motivação de maximizar os interesses particulares de cada um. Não é isso, afinal, o que Jair Bolsonaro e as legendas em negociação com ele manifestam todos os dias?
Para piorar, os partidos não padecem apenas da falta de consistência ideológica, reunindo sob a mesma sigla pessoas com ideais políticos diferentes. Não é apenas que, seja qual for a legenda a qual Jair Bolsonaro se filiará, se sabe desde já que nela haverá parlamentares inclinados, por exemplo, a apoiar Luiz Inácio Lula da Silva. Também já se sabe de antemão que os próprios caciques das legendas em negociação com Jair Bolsonaro não terão nenhum pudor em depois apoiar Lula – ou quem quer que seja –, a depender das circunstâncias políticas.
Não são apenas os partidos. Políticos brasileiros também têm profundas inconsistências ideológicas. Perante isso, seria até natural recorrer ao bordão de Jair Bolsonaro, o infame “e daí?”. Mas também é possível outra atitude, mais responsável. Segundo a Constituição, a filiação partidária é requisito para concorrer a cargo político. Pode ser um bom requisito para a definição do voto: só votar em candidato que tenha de fato um partido, com identidade, programa e proposta.