Parlamentares querem esconder os nomes dos que foram “comprados” pelo Governo

By | 23/11/2021 4:04 pm

Cúpula do Congresso age para manter em segredo nome de parlamentares do orçamento secreto

Os presidentes da Câmara e do Senado defendem não ser possível identificar e divulgar os padrinhos das emendas de relator porque a lei não previa esse nível de transparência no passado

A cúpula do Congresso Nacional age para manter em segredo os nomes dos deputados e senadores beneficiados com emendas de relator relativas a 2020 e 2021,  mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a execução dessas verbas e determinou a divulgação das informações. Esses repasses de dinheiro público estão no centro do orçamento secreto, mecanismo usado pelo governo de Jair Bolsonaro para distribuir bilhões de reais a um grupo de parlamentares, com o objetivo de aprovar projetos de interesse do Palácio do Planalto.

Na liminar que determinou a “ampla publicidade” dos repasses, a ministra Rosa Weber, do Supremo, estabeleceu que os nomes dos parlamentares beneficiados devem ser divulgados, incluindo os valores que já foram pagos. A ministra escreveu que “o regramento pertinente às emendas do relator (RP 9) distancia-se dos ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP 9, recai o signo do mistério”. A decisão da magistrada foi referendada pelo plenário da Corte, por 8 votos a 2, mas a cúpula do Legislativo e do Executivo se prepara para driblar a ordem por meio de artifícios jurídicos que envolvem justamente a informalidade do esquema de loteamento do orçamento em troca de apoio.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deram declarações públicas nesse sentido entre a semana passada e nesta segunda-feira, 23. De acordo com eles, não é possível identificar e divulgar os padrinhos das emendas de relator relativas a 2020 e 2021 porque a lei não previa esse nível de transparência no passado.

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Uma das brechas usadas por Lira e Pacheco para justificar não dar a transparência exigida pelo Supremo é a falta de uma indicação formal por parte do parlamentar beneficiado Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para especialistas e técnicos de órgãos de controle, no entanto, o governo e o Congresso são obrigados a dar transparência a essas indicações e a todos os critérios adotados para aprovação e execução das emendas, incluindo a digital de quem indicou o recurso.

Conforme o Estadão/Broadcast apurou, Pacheco deve procurar os ministros do STF para sustentar a brecha que limitaria a transparência do passado e prometer que os padrinhos serão identificados apenas a partir do Orçamento de 2022, em uma tentativa de modular a decisão do STF. O presidente do Senado se reuniu na última semana com o presidente do Supremo, Luiz Fux, e deve conversar com outros ministros nos próximos dias.

“A origem dessas emendas é o relator-geral do Orçamento. Não há obrigatoriedade legal de se identificar como e por que o relator-geral definiu tal ou qual emenda para tal ou qual município”, disse Pacheco durante evento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na capital paulista, nesta segunda-feira, 22. O presidente do Senado defende limitar a transparência à divulgação do beneficiário final do recurso, mas não abre mão de manter em segredo quem apadrinhou a verba. “Isso não era exigido pela lei até então, nem por isso era uma emenda que fosse oculta, absolutamente não é.”

Na semana passada, o presidente da Câmara falou no mesmo sentido. Ao citar o impasse, Lira usou uma uma regra de mudança tributária como exemplo para defender a inviabilidade de dar toda a transparência ao que já passou. “A gente está discutindo no intuito de cumprir-se a decisão na medida da sua exequidade. A gente não pode é, por exemplo, se uma empresa que tem um sistema de um Simples, declara o Imposto de Renda de um jeito, você fazer uma lei agora e pedir para ela retroagir”, disse o deputado na última quinta-feira, 18.

Uma das brechas usadas por Lira e Pacheco para justificar não dar a transparência exigida pelo Supremo é a falta de uma indicação formal por parte do parlamentar beneficiado. Como o Estadão revelou na série de reportagens iniciada em maio, as emendas de relator-geral do orçamento de 2020, em parte, foram direcionadas atendendo pedidos individuais feitos por deputados e senadores, registrados em ofícios. Depois que o mecanismo foi revelado, porém, o Congresso concentrou os pedidos no relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), cortando as solicitações diretas.

Assim, uma solução aventada no Palácio do Planalto é dar publicidade apenas aos ofícios do relator-geral e alegar que, formalmente, desconhece os nomes dos deputados e senadores solicitantes desses repasses – apesar de essas informações serem conhecidas informalmente, pois fazem parte da articulação do Executivo com o Legislativo. O Congresso, por sua vez, também alega não ter as informações centralizadas. O Supremo não intimou diretamente o relator-geral a apresentar os nomes dos parlamentares, que nesse jogo de empurra poderão continuar em segredo.

Execução.  Tanto Pacheco quanto Lira defendem a retomada da execução das emendas de relator suspensas pelo STF. A Polícia Federal pediu ao Supremo para investigar suspeitas de desvios de dinheiro público por meio do orçamento secreto. Para convencer os ministros da Corte, a cúpula do Congresso promete apresentar um projeto de resolução para alterar o mecanismo de indicação das emendas de relator (RP-9) a partir do Orçamento de 2022.

“Naturalmente, se identificar algum de tipo de malversação ou de desvios de recursos a partir de emenda de relator, ou de emenda de bancada, ou de emenda individual ou de emenda de comissão, isso é caso de polícia, isso é caso de controle interno, mas não podemos demonizar e travar um orçamento inteiro de um país porque essa decisão, a pretexto de desconfiança, quando a lei exigia de uma forma, essa lei foi cumprida”, afirmou Pacheco.

O relator da proposta, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que uma das medidas é estabelecer um limite de valor para as emendas RP-9, base do orçamento secreto, que neste ano somaram quase R$ 20 bilhões. “Houve um exagero. Se depender de mim, as emendas continuarão, mas com uma trava, um limitador”, disse em entrevista à Rádio Eldorado nesta terça-feira. Ele afirmou que a proposta vai incluir um mecanismo para dar transparência aos repasses, mas apenas para as emendas futuras.

Transparência. A possibilidade de os nomes dos beneficiados nunca serem revelados é vista como concreta e é criticada por especialistas da área de transparência e analistas orçamentários ouvidos pela reportagem. “Se o Legislativo e o Executivo disponibilizarem ofícios do relator assumindo as indicações dos verdadeiros autores, a transparência continuará a não existir. Será mera burla à decisão do STF”, disse ao Estadão o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco. “Todos os nomes dos beneficiados e as comunicações entre parlamentares tratando da destinação de emendas de relator-geral têm que ser publicados. Principalmente aquilo que está mantido na clandestinidade”, afirmou ele.

Para o diretor da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino, se o Legislativo e o Executivo não revelarem os nomes dos parlamentares beneficiados, “estarão descumprindo a decisão do Supremo, porque não é plausível que não existam as informações”. “É muito dinheiro e uma parcela muito importante do orçamento para não saberem quem está sendo beneficiado pela liberação do recurso”, afirmou o diretor da Transparência Brasil.

Marcio Cunha Filho, professor da faculdade de Direito do IDP, disse que “a alegação de desconhecimento ou inexistência da informação, ou outras alegações semelhantes tais como a ausência de competência para fornecimento das informações, feriria o os objetivos gerais e o espírito da decisão da ministra Rosa Weber”.

Estadão questionou a Casa Civil, o Ministério da Economia e integrantes da cúpula do Congresso se a determinação do Supremo de divulgar os nomes dos responsáveis sobre os repasses será atendida. As assessorias da Casa Civil e do Congresso não responderam. A Economia, responsável por manter os painéis de informações orçamentários do governo, disse que “nas emendas de relator-geral, RP-9, não existe destinação de recursos para parlamentar, o que está previsto em regulamento infralegal no art. 40 da Portaria Interministerial n. 6.145, de 2021, são comunicações entre o autor da emenda (relator-geral) e o ministério responsável pela programação, em que o eventual detalhamento enviado por aquele não é vinculante para este”.

O relator-geral do orçamento de 2022, Hugo Leal (PSD-RJ), responsável pela defesa do Congresso na ação que contesta o orçamento secreto, tampouco respondeu aos questionamentos da reportagem. A interlocutores, ele disse que está focado em dar transparência daqui para a frente e que não responde pelo que ocorreu em 2020 e 2021. Os relatores-gerais de 2020, Domingos Neto (PSD-CE, e 2021, Marcio Bittar, não responderam aos questionamentos.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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