O estado da democracia no Brasil
País sofre abalos nos pilares democráticos desde a eleição de Jair Bolsonaro, mas está longe de ser um país autoritário
De acordo com o relatório Estado da Democracia Global 2021, publicado recentemente pelo Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), o Brasil foi um dos países que registraram retrocesso democrático em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19. É preciso entender muito bem os eventos que contribuíram para esse resultado a fim de evitar uma erosão ainda maior dos pilares democráticos no País no futuro próximo.
O Idea avalia o estado da democracia em cerca de 160 países, nos cinco continentes, há décadas. Desde 2016, o Brasil é um dos países-membros da organização intergovernamental, sediada em Estocolmo. Para medir a higidez da democracia nos países avaliados, o Idea leva em consideração critérios como a legitimidade dos governantes, a participação da sociedade nas definições de políticas públicas, a impessoalidade da administração pública, a garantia de direitos fundamentais e o funcionamento do sistema de freios e contrapesos.
Em relação ao Brasil, nenhum reparo há de ser feito à legitimidade do presidente Jair Bolsonaro, escolhido para dirigir o País pela maioria dos eleitores após uma eleição incontestavelmente limpa. Tampouco se pode dizer que a sociedade não participa dos debates para formulação de políticas públicas. O Brasil é uma democracia representativa e o Congresso está em pleno funcionamento, em que pesem as muitas críticas que podem ser feitas às suas deliberações. Igualmente, a imprensa é livre no Brasil para publicar o que julga ser de interesse público. Basta lembrar que foi graças ao jornalismo independente praticado por este jornal há quase 147 anos que a sociedade tomou conhecimento do escândalo do “orçamento secreto”, o que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a proibir a obscena apropriação de recursos públicos para compra de apoio parlamentar ao governo federal.
Logo, não seria correto – como não fez o Idea – classificar o Brasil como um país marcadamente autoritário. Isso não significa, contudo, que os pilares democráticos não estejam sendo constantemente atacados por Bolsonaro desde sua eleição para a Presidência da República. O Idea cita nominalmente o presidente brasileiro como o responsável pelo retrocesso democrático apurado no Brasil.
Bolsonaro convocou e participou de manifestações de cunho explicitamente golpista. O governo brasileiro também patrocina uma campanha de hostilidade contra o jornalismo independente. Em sua visão obtusa do que seja governar, Bolsonaro não concebe a divisão e a harmonia entre os Poderes, tomando como agressões pessoais quaisquer decisões tomadas pelos Poderes Legislativo e Judiciário que contrariem seus interesses.
Como se não bastasse tudo isso, o mais grave, aponta o relatório, é a ameaça de Bolsonaro de não reconhecer o resultado da eleição presidencial de 2022 caso não seja ele o eleito. A ausência de transmissão pacífica do poder após uma eleição limpa foi a razão que levou o Idea a incluir os EUA, pela primeira vez, no rol dos países que registraram retrocesso democrático em 2020. Entre arroubos e recuos de conveniência, Bolsonaro tem dado sinais de que não apenas não passará a faixa presidencial para seu sucessor, caso seja derrotado no pleito, como mobilizará uma súcia de apoiadores para provocar no Brasil a mesma confusão que Donald Trump provocou nos EUA ao ser derrotado por Joe Biden.
Todo cuidado é pouco. Bolsonaro não tem a sociedade a seu lado para aventuras liberticidas. Se confusão houver, será por conta de fanáticos, sobre os quais deve recair todo o peso da lei. Isso sim é democrático.